sexta-feira, 4 de abril de 2008

Não estou lá, o filme

Não estou lá, de Todd Haynes, é um filme desconcertante, muito desconcertante. É o mínimo que posso dizer diante da bateria de imagens e sons a que fui submetida durante mais de duas horas. O filme é tanto sobre imagens e sons quanto sobre Bob Dylan. O que é o mesmo que dizer que, indiretamente, é também sobre cinema (ou o que ainda pode fazer o cinema). E parece-me que a resposta é que o cinema ainda pode muito. O filósofo Derrida, em um dos seus livros, diz que em toda autobiografia reside uma máscara e, encenando uma outra ponta desta tese, afirma que a ruína está intrínseca à idéia do auto-retrato. Podemos estender isto às biografias: o escritor, ou diretor, como um outro, tenta captar um “eu” na arriscada empreitada de montar um retrato. Encenando a cinebiografia de Dylan através de seis personagens diferentes, com registros e em tempos diferentes, Todd Haynes arrisca-se à montagem, mas sem nenhuma síntese. Todo eu que surge é já um outro; é já a morte anunciada de um para que outro surja; são máscaras que se desfazem a caminho da ruína. Não à toa uma das personas de Dylan é Rimbaud, e a famosa frase do poeta - “o eu é um outro” - aparece sendo recitada pela esposa francesa de um dos personas do músico. O diretor faz que aqui Dylan seja vários outros, evocando-os não apenas como heterônimos (nem mesmo seu nome aparece!), mas como sucessivos “eus” que ressuscitam (a associação com Cristo é mesmo explícita) à revelia do esperado, do já conceitualmente manifestado. A transformação de Cate Blanchett na composição da sua personagem é fantástica, mas creio que é o conjunto, e não apenas a performance da atriz, que compõe o quadro espantador. A sua aparência, a única próxima a do músico, é uma parte do todo, em que tudo é pensado para nos remeter e ao mesmo tempo nos levar para longe da figura de Dylan. São e não são Dylan na mesma proporção todas as outras personagens, desde o garoto negro com modos de adulto até um Richard Gere travestido em Billy the Kid em uma cidade onírica (incríveis estas cenas!). E tem Rimbaud numa sala de julgamento, assim como um ator sofrido devido à falta de gerência da própria vida que é nada mais nada menos que o ator Heater Ledger que morreu recentemente por excesso de barbitúricos. Pouquíssimas vezes o cinema consegue este equilíbrio tão assustador entre o real e o não-real; a verdade e a ficção. Em duas palavras, simplesmente soberbo. E a trilha musical? Valha-me!!!


Ainda três coisas:

* quando falei para meu orientador que tinha ido ver Bob Dylan em Bruxelas, ele me escreveu bem humorado: “E Bob Dylan ainda está vivo?”. Pois é! Que maravilha Dylan ainda vivo dando-nos o privilégio de conhecer a sua música e sem jamais podermos ter a síntese da sua vida.

** Já ouviram Modern Times, seu último cd? Pois ouçam. Bom demais.

*** As fotos daqui não são do filme, mas do catálogo do show dele que vi em Bruxelas. Preferi colocá-las ao invés das que estão na net para divulgação. Quem tiver curiosidade de ver fotos do filme, é só clicar em qualquer comentário sobre o filme.
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2 Palavrinhas:

Sergio disse...

Eita coisa maravilhosa estes nossos passeios pelas searas das artes! Sempre uma coisa nova, que nos move e que nos toca...Puxa...A arte nos deixa mais humanos!

Saudade de tu, tumém! E de nossas maravilhosas conversas literoalcoolicas!

Será que não dá pra fazer uma "perna" de uns 2000 km e passar em Belém no caminho pras Rondônias? (risos)

Beijo Beijo

Cristina Soares disse...

Ai, que complicado ! Vou ter que fazer um curso pra ver este filme rsrsrs. Uma beijoca !!!