sexta-feira, 13 de junho de 2008

Vita nuova

Eu vim aqui dizer que ainda não sei o que dizer da minha vida nova. Quando escrevi no post anterior, "Agora, vou para a Vida como ela é", falava dos textos de Nelson Rodrigues, mas também da minha própria vida. Explico: eu sempre achei - e disse por aqui - que o doutorado era um hiato. E foi como tal que o vivenciei. Vivi tudo e de forma muito inteira. Para além dele, é a lei do trabalho que sobressai. A lei da sobrevivência. Sem rendas, sem heranças e sem fortunas, todo hiato é apenas isto: hiato. Encontrar de imediato um emprego, ou retornar ao que eu tinha, era a lei imposta desde antes da defesa de doutorado. Era preciso sair do hiato, enfim. Abrir outras janelas. Foi quase por acaso que as abri, em um fim de tarde em que o horizonte era de impotência e espanto. Porque ninguém me diga que dinheiro não faz falta. Precisamos de grana para cuidar do outro, ou para cuidar de nós. E neste fim de tarde, uma voz que vinha de longe me pedia ajuda de forma muito cortante. Abandonei ali os planos de ficar em Sampa, ao menos, por seis meses, lendo, estudando, tentando concursos. E me apeguei à oportunidade mais visível, convicta de que era hora de voltar ao mercado de trabalho.

De certo modo, fiz os preparativos de volta para casa. Fiz então um concurso para professor de literatura para a Universidade onde fiz o curso de Letras. Fiz assustada e cética - eu nunca acredito que posso realmente passar em qualquer que seja a "provação", embora eu sempre passe, e com méritos. Eu, como Nelson Rodrigues, também tenho uma menina com fome dentro de mim sempre pedindo desculpa pelo que consegue. Pois foi bonito. Binho, meu amigo de tantos anos, me deu todo suporte - material e psicológico. Ter o outro acreditando em ti é sempre um acalanto. E eu tive muitos: uma torcida digna de final de campeonato, que me mostrou como tem gente no mundo muito a fim que tudo dê certo para mim. Passei, pois. Do medo nada disse. Nos dias de concurso, escrevi e falei com a firmeza que os deuses nos ofertam em momentos assim. Só me restou agradecer e comemorar. E arrumar as malas.

Mas arrumar as malas é sempre uma dor. Mesmo quando saio de férias, ou vou para uma viagem que quero muito, me vem um nó que se instala não apenas na garganta, mas no corpo todo. O corpo dói; as lágrimas descem, descem. Desta vez, não foi diferente. E foi ainda mais visceral. Despedidas simbólicas e reais marcaram impiedosamente os meus últimos dias em Sampa. E deixar esta cidade, que aprendi a amar e onde eu moraria por toda a minha vida se assim pudesse, impôs a mim uma espécie de luto. Porém, choraminguei pouco, pois sou adepta de que, sobretudo no sofrimento, é preciso manter uma certa elegância. E apenas em alguns momentos, senti-me, de fato, um pouco derrotada.

Ora, mas o que falo? Virar professora universitária - e de uma federal - é uma boa pedida; tem muita gente querendo. Eu, inclusive, estava muito a fim. Há senão, pois? É que eu queria a universidade, a cidade, o amado, os outros sonhos; todos ao mesmo tempo. E me vem outro espanto: tenho muitas outras fomes além daquelas que a menina sente.

Não digo mais nada: aqui estou. A mudança chegou antes de mim. Encontrei de imediato pessoas prestativas que me ajudaram enormemente. Minha tia Fá veio comigo e, juntas, organizamos quase tudo em uma semana: apê alugado, livros organizados nas estantes montadas, quadros nas paredes, objetos de desejo comprados: depois de quatro anos, durmo novamente em uma cama de casal - atravessada, para melhor senti-la como minha. Cuido com carinho do cantinho que será meu "paraíso artificial" pensando em cada detalhe. Eu sou uma tartaruga: parto para o mundo sempre levando nas costas tudo que me pertence. Dá trabalho, mas eu não saberia ser diferente. O filho da minha prima, no meio da arrumação, apaixonou-se por uma pequena pedra rosa e pediu para ele. Eu relutei: pedrinha de nada; mas por trás dela toda uma história. E é por isso que minhas casas viajam comigo: porque tudo tem uma história. Que sobreviveria sem o suporte material, mas que com ele melhor me mostra aquilo que sou. Tenho uma nova casa, pois. E aproveito para furar paredes, colocar ganchos de rede nas paredes, esperando que ela me acolha quando os dias forem cinzas e também quando forem azuis. Quando a saudade apertar demais, do amado, da cidade, eu arrumarei minha bolsa e irei ao encontro deles. Porque do dinheiro nada economizarei. Que ele me sirva apenas para cuidar de mim e para cuidar do outro - daqueles que me são importantes e me pedem ajuda transformando tardes em tardes tristes.

E por quanto tempo? Quando será o próximo deslocamento? Haverá, certamente. Mas quando? Não sei. Aqui estou. E do porvir, sei apenas do mistério.