quarta-feira, 9 de julho de 2008

Conto para uma noite

Antes do texto: eu passei vários dias com esta conversa na cabeça; com esta noite. Quando ela chegou, eu estava desprevenida... talvez seja por isso que ela ficou em mim. Eu acrescentei uns pontos e suprimi outros; como tudo que vira escrita.

Sobrevivemos. Você também acha? Podemos ficar aqui sentados a noite toda. Agora que estamos seguros. Agora que nada mais podemos fazer um com o outro. Você pode encher de bituca o cinzeiro que comprei em Veneza e, no fim da noite, quebrar o copo de 50 reais que eu não me importo. Tudo cumpre seu tempo; não importa o que a gente pense. Ou queira. Quando uma coisa deixa de existir é porque já era tempo. Ainda atiro pratos um depois do outro se for torturada. Mesmo os comprados em Paris. É que morei lá. Tudo o que nos aproximamos demais perde o glamour. Até Paris. Mudei, mas não tanto assim. Perguntas? Faça-as. Sempre te disse a verdade mesmo quando menti. Responderei antes que fique bêbada demais. Depois não me responsabilizo. É que às vezes tudo. Nunca quis cortar os pulsos. Sempre achei pouco original. Não; não se preocupe. Já faz tanto tempo. Éramos meninos assustados. Hoje podemos conversar a noite toda. Não; não é para ser um museu. Você não vê? Tudo respira. Tanto os livros que já li quanto aqueles que ainda me esperam pedem para sair do lugar. A ordem é apenas aparente; é para me deixar mais segura. Não. Quando fui embora não senti nenhuma culpa. Nem mesmo raiva. Apenas meus ossos doíam. E nos dois meses seguintes as carnes aumentaram. Era um pesadelo, não era? Naquela loucura, o que havia de menos triste já estava distante de nós. E eu também. Seis meses? Tudo isso? Não me lembrava. É que já são quinze anos. Ou dezesseis? Às vezes, vomito pela manhã. Mais uma? Vamos ficar bêbados. Sua garota linda que está aí ao seu lado e nos olha desconfiada vai ter que agüentar a conversa de dois bêbados ficando velhos e bêbados. Eu não sei por que, mas a cada vez que te vejo me vem aquele mesmo sentimento de ternura. Não acredito em você quando me diz que ainda é daquele jeito. Tudo tem sua história. Até mesmo aquele quadro de madeira talhada estava à sua espera para ser posto na parede. Claro que sei onde está o cd de Pink Floyd. Só não lembro mais qual era sua música preferida. E é mentira quando digo que não ouço mais Janis Joplin. Raramente; mas ouço. Nenhum arrependimento. Eu só queria não ter marcas no corpo. Nem tiros no teto de zinco quente. Ou ter que baixar os olhos quando sorria. Feridas nas mãos cicatrizam melhor. Descobri depois. Não; de jeito nenhum. Não foi você; fui eu. Talvez você se lembrasse se tivesse sido você. Sim; sinto saudade de acordar com Joplin em cima de mim. Tantos pêlos no nariz. Se me vinguei agora que tudo parece estar bem? É que cada história só interessa ao seu protagonista. Adquiri apenas uma certa permissividade com os outros encontros. Que advém da certeza de que posso seguir sozinha. Eu só queria sobreviver; depois é que pensei que podia também viver. Não; não. Ainda tenho insônia, mas nunca mais como aquelas de domingo regadas a Charles Bronson. Onde será que consigo cianureto; talvez eu pensasse. Conversa. Nunca quis te matar. Morrer, sim. Sei lá se tenho mágoas. Com estas perguntas, parece que você as tem. Ainda bem que estou encostada aqui. Protegida pelos deuses da música. Nunca mais senti aquilo. Querer morrer por causa do outro é foda, mas às vezes se confunde com vida. É um baita poder, não é? Se é verdade? Lembra daquela noite? Você não vai lembrar. Quando é a carne do outro que sangra. Mas eu lembro. O mar enquanto eu pensava: “é só mergulhar. E, pronto, acabou!”. Nem para ser original. É que tem outras maneiras mais fáceis. Ir embora é uma delas. Sim. Vamos comemorar. São bodas de alguma coisa. Faremos uma festa. Depois a gente vai ao cartório e acaba com isto. Quero só ver a cara de todo mundo quando a gente convidar. Deixe sua garota linda perguntar também. Eu respondo. Como descobri? Fui experimentando. Pareço estar bêbada? Não; não me sinto fracassada. Não fiz promessas a ninguém. Menos ainda a mim. Se estou aqui, é porque devo estar. Esta é a décima? É verdade; eu não bebia antes. Era uma menina boba que podia ser castigada pela supressão do ingresso de uma banda sertaneja. E você me obrigando dias e noites a ouvir os gritos daquele grupo de rock. Como é mesmo que se chamava? O vocalista era lindo antes de ficar inchado de tanto beber ou se drogar; não sei. Não era? Mas você pôs a bandeira na parede por causa do guitarrista, não foi? Ainda bem que você me obrigou. Seria muito triste se alguém ainda pudesse me castigar com algo tão insipiente. Eu não acredito mais em castigo. Talvez não seja mais cristã. Você não vê? Agora as paredes também estão cheias de loucos. Lynch Almodóvar Fellini Bosch Beckett Giacometti. Todos loucos. O quê? Mais uma pergunta? Eu era louca por você. É por isso que você me afetava tanto. Por isso, eu obedecia. Ah, sim, havia o medo também. Aquele vídeo triste foi o maior soco da minha vida. Meu andar desapartado do corpo. E depois você me arrastando. Guardo tudo. As fotografias estão ali. Quer ver? Não fui verdadeira? Já te disse: sempre falei a verdade. E não importa, não é? Eu não queria mesmo. Espontâneo ou provocado. Não existiu porque não era tempo. Acho que você também não. Melhor assim. Hoje a gente pode conversar a noite toda. Talvez você possa me oferecer um cigarro. Não; eu não fumo. Muito raramente. É que tem dias que a noite é assim mesmo.
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5 Palavrinhas:

Cristina Soares disse...

Caraca... quem era essa pessoa ?? Nossa, inspirou tudo isso ?? E eu não entendi metade !!! Mas amiga, vc se esmerou... bebeu e fumou o texto inteiro ! !!!!! Faz mal a saúde !!!!! Beiiiijo

meus instantes e momentos disse...

Que texto bom de ler. Muito bom teu blog. Gosto daqui.
Parabens
Maurizio

Unknown disse...

Hum Hum....gostei!

Anônimo disse...

Milena,

Vi tuas fotos, gostei do teu Barthes e adorei o teu texto!



Abraços, flores, estrelas..

onomatopoepic disse...
Este comentário foi removido pelo autor.