domingo, 28 de dezembro de 2008

reflexões do meio da noite

um dia, quando estava fazendo a tese, o msn não funcionou. não o fato do msn não ter funcionado, mas minha reação. dolorida. histérica. fui em todas as alternativas que minha ignorância permitia. e nada. sentia meu corpo tremer. e veio o choro convulsivo. eu só queria alguém para conversar. não para dizer que não conseguia fazer a tese, mas sim para o contrário. para dizer que estava tudo bem. isto é, para mentir. é a loucura da tese. a loucura da solidão, que só percebemos muito tempo depois, quando a tese está feita. quando a solidão não existe mais. e temos a impressão de voltarmos à normalidade. agora, quase nunca entro no msn, a não ser para falar com minha melhor amiga. e damos altas risadas, se fosse possível ouvir as risadas, expressas por simples e incompletos rsrsrs. agora estou em paz. agora, fico horas na rede - a que balança e faz ruído que deve atrapalhar o vizinho. muito menos do que queria, mas o suficiente para ler um livro inteiro e chorar e sorrir com ele. estou em paz. e estou feliz. e por isso perdôo; o perdão como forma de esquecimento - e cantarolo, se assim soubesse: não há o que perdoar. há tão-somente oito meses de traição. de abandono. e vejo que eu mesma abandonei muito antes. e mesmo assim sinto. porque sempre desejei alguém mais forte do que eu, mais lindo do que eu - que tivesse coragem de me dizer o que eu mesma não tive coragem de dizer. e não foi assim. foi tão normal, tão novela das seis, tão homem funcionário público - o que havia de diferente na nossa relação? e a resposta é um grande nada vazio. não conseguimos ser nós mesmos - a parte mais difícil. talvez toda mulher sinta estes anseios que nada têm a ver com a máscara de libertação que demoradamente construímos. vejo os destroços. e sinto uma certa tristeza nos destroços. porque o perdão só vem quando o amor se vai. se esvai. aquele foi. eu procuro em mim aquele amor pelo amado e só sinto a dor da traição, porque foi ela que tocou em algo que dói apenas em mim e tem a ver com as dores daquela criança que nunca deixei de ser. mas agora a criança acredita de novo. não apenas no amor, mas em tudo. acredita na vida que a adulta construiu. acredita que ela é bonita. é estressante, mas é bonita. é todo ela envolta por uma fantasia. a fantasia de viver em um mundo bonito para além do mundocão. e isto se deve não apenas ao ney, embora ele tenha uma grande porção. ele é bonito. gosta de tudo que eu gosto, e não apenas porque eu gosto. gosta com seu ar blasé, com seu jeito super ativo; tem horas que leio um livro e ele joga no meu celular supercaroesuperchique que eu jamais usarei as funções; comprei apenas porque é bonito e é vermelho - ; até que se cansa e vai embora quando a clausura do meu apartamento lhe sufoca. e volta dizendo que sente saudade. e eu sinto nitidamente que ele sempre irá. porque ele sabe o que quer, para além de mim. e me sinto feliz com isto. ele vai sem nenhum rancor, apenas porque reconhece que sou uma senhora esquisita. talvez seja apenas agora porque é o princípio e juramos dizer sempre a verdade doaaquemdoer - mas o que importa o futuro se o porvir é sempre incerto? é daí que vem o perdão. quando eu sinto que estou muito melhor, repetindo na minha vida aquela música que Bethânia canta com tanta dor. eu digo quase sem dor. apenas com este peso de quem pensa as palavras::::: e as palavras me dizem agora que estar reclusa no ano que quase inicia é um desejo antigo e ansiado. abro as portas apenas para eles. o resto do tempo divido entre minhas fobias, minhas manias, minhas tarefas e minhas paixões. leituras músicas armários arrumados livros limpos um a um. sim, ninguém agora pode me atingir. estou forte e inteira e amada. e amo. amo todos. e amo.
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se eu não voltar aqui antes do ano novo, quero dizer que este blog, embora eu escreva sempre como quem escreve para si mesma, tem um imenso prazer de saber que meia dúzia de pessoas o lê vez ou outra.
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feliz ano novo a todos.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

na rede

ontem, na rede, curtindo uma daquelas ressacas derivadas pelas excursões ao mundo de baco:

"O círculo se fechou. Nada termina jamais. Onde quer que alguém plante raízes brotadas do seu eu mais puro ou verdadeiro, ali encontrará um lar".

na noite anterior, aquela do cristo e do papai noel, vinho do porto bebido como se fosse vinho italiano, argentino, chileno, se não fosse tão doce. mas tinha o italiano, o chileno, os dois argentinos. e tínhamos nós emoldurados de beleza. e tinha a música, a que amamos. a isto não nomeio para que fique apenas a memória de uma noite feliz de natal que mais pareceu uma noite pagã. a de nós quatro. talvez uma das mais felizes noites de natal da minha vida. se é que houve muitas. nunca uma com tanto vinho e tanta doçura. este natal finalmente existe. e com direito a presente. mais um. e lindo.

quanto à citação, é de Liv Ullmann, da sua autobiografia Mutações. antes mesmo de ler meus livros essenciais, eu provo a impureza dos gêneros. ultimamente, muito interessada em livros que não são estritamente literatura. o outro livro pela metade é Uma viagem pessoal pelo cinema americano, de Martin Scorsese - é de enlouquecer de vontade de ver os milhares de filmes comentados. e os outros dois que acabei de ler - Um castelo de pureza, de Octavio Paz e Um diário de Florença, de Rainer Maria Rilke, também fazem parte destes gêneros impuros: o primeiro é um ensaio (brilhante, diga-se de passagem) e o outro, como o próprio nome diz, é o diário de um poeta, escrito para a sua interlocutora ausente, Lou Salomé, por quem ele estava apaixonado. e estou no segundo tomo de O último round, de Julio Cortazar, dois formidáveis exemplares do que a escrita pode alcançar quando faz da colagem, da impureza, o seu limite. pois assim o limite passa a ser não ter limite.

sim, eu não me reconheço. e se choro e se sorrio, também leio desesperadamente, como se fosse uma questão de identidade, como se minha já enorme biblioteca me exigisse o tempo que não tenho e que, culpada, roubo das tarefas que deveria cumprir. agora mesmo, estou cumprindo uma, mas me disperso e venho aqui, me disperso e leio 20 páginas de Mutações, quando deveria estar fazendo uma proposta de ementa para o mestradoquenemseisevaiexistir. perplexa, sinto que não sei o que quero dizer aos alunosseporventuraumdiaexistirem. talvez como rilke, tudo que eu queira dizer seja, "leiam". não importa o quê, desde que esta leitura lhes faça perder o sono. e suas tarefas. se assim for, a leitura vai ter deixado de ser mero passatempo e terá se tornado algo vital, essencial, na vida; como eu acho que é na minha vida. e na vida de meia dúzia de pessoas que eu tenho o prazer de conhecer. mas no mundocão de hoje, ser e sentir desse modo é muito perigoso. sobretudo, impróprio.
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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

é quase natal

... é quase natal e eu não sinto que seja. estou feliz. sim, estou feliz. mas quase não me reconheço. choro bem alto para me reconhecer. depois passa. me acalmo. e volto para o natal que ainda não existe para mim. ensaio compras de presentes. mas compro apenas para o binho e o manu. eu sei exatamente o que eles querem. eu gosto da coisa exata. custa-me reconhecer, mas gosto. e eu que sempre achei que voava sem pára-quedas. agora, eu quase imploro. depois volto atrás. rio de mim mesma. e aviso que não sou assim. apenas estou - estado passageiro. e sigo feliz. doze horas dentro de um ônibus lendo sem parar. isso depois de oito horas na mesma estrada em sentido contrário. cinco horas de aula. uma noite no meio. e uma prova aplicada. o ônibus quebra. as pessoas gritam. um senhor conta causos. o homem ao meu lado fede. uma senhora simpática quer conversar. uma troca-troca de ônibus, de cadeiras, de mexericos. e eu continuo lendo. exausta, sento no chão da rodoviária de uma destas de beira de estrada e choro como chorei há anos atrás lendo relato de um certo oriente em uma rodoviária igual sem tirar nem pôr. eu que me sinto toda diferente. agora leio o diário de florença - e lembro da noite cheia de delicadeza - o que seria da vida sem os amigos para nos indicar livros? e choro porque lembro. e choro pensando em veneza, em roma... e em florença que ainda não conheço. e rilke, imperativo, me diz: "olha". e esbraveja contra todos que não têm sensibilidade. cético louco apaixonado jovem monumental. então eu choro. nem que seja para dizer que tenho sensibilidade. posso não ter memória agudeza sapiência, mas tenho sensibilidade. e é com ela que me faço. mesmo que esta sensibilidade muitas vezes atrofie e eu veja e sinta e queira apenas o meu umbigo. tem sempre o momento em que eu me dou inteira. por ora, reivindico a contradição. o sorriso e a lágrima na mesma intensidade. nunca mais almas pela metade, se fosse crente eu pediria isto. descrente, eu tento escapar. crente, eu faço carinho no cabelo. em algum lugar, tenho um castelo de pureza. nem que seja este que agora folheio. é o que agora penso enquanto ouço bem alto o clube da esquina.
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outros outubros virão/ dos homens que são/ prefere o rio/ prefere remar/ falo assim sem saudade/ falo assim sem tristeza/ falo por acreditar/
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misturo as letras. vivencio as músicas. quase me reconcilio com elis ouvindo-a assim ao lado de milton. a voz doce dele entremeado com a voz dura de quem só reconhecia a dor. plenos de sol e de luz.
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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

madrugada

Um instante de beleza é uma alegria para sempre. Domingos de Oliveira
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amanhã, eu vou sentar aqui; hoje, eu vou sentar aqui e fazer o presente da minha amiga oculta, porque ela merece e porque terei entregue, corrigidos com olhos de lince, todos aqueles textos. a maioria tateia. alguns têm alma e têm medo. outros, medo nenhum e nenhuma alma. eu me descobri em muito sendo professora. uma das descobertas é que não dou conta de tanto livro - ruim - para ser lido. e que não suporto erros gramaticais, embora multiplique minhas vírgulas na ânsia de errar. e ele dorme. eles sempre dormem e eu fico a velar um sono que não é meu. e quem velará meu sono? tenho sempre a terrível impressão. esta dor amorosa que me faz encher os olhos de lágrimas é a dor de agora. ele dorme tão bonito enquanto eu envelheço mais um pouco entre tantas ordens do dia - que se estendem pela noite adentro. pilhas de livro, carrega meu papai noel; eu espicho o olho sonhando com o dia em que terei tempo de me balançar na rede - a rede que agora range enquanto ele dedilha seu violão; indeciso entre uma nota e uma música. eu ouço lendo fábulas. e gosto do que dizem as fábulas: um alma e um medo - tum tum tum! solto um riso solto. depois ele some do rosto e quase tombo. a delicadeza e o horror de cyane - em linhas finas - se encarregam de dizer que ainda é tempo - para além do tempo. e eu insisto::: leio três paginas de octavio paz. outras dez de rilke. e bêbada, mostro-lhe francis bacon. e lhe digo de um modo estranho que o disforme é o que corrompe minha alma. e ele parece compreender quase tão bêbado como eu. no almoço, ele lamenta que já bebemos todos os vinhos da casa. porque ouvir maysa comendo um almoço feito a dois pede um vinho. eu lhe prometo comprar quantos vinhos for desejado. eu lhe prometo tudo e nem percebo. agora o quarto é todo escuro. e posso dormir até mais tarde. bem mais tarde.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Meu papai noel


passei por uma loja cheia de papais noéis e pensei com ar desolado: "não há nada em casa que identifique que é época de Natal... bem que eu poderia comprar algo". dei um passo para entrar na loja e hesitei. foi a adulteza que me fez hesitar: "Milena, natal é uma data como outra qualquer; é apenas para os bobos consumirem; talvez se um dia houver crianças correndo pela casa faça algum sentido... não agora em que apenas você a habita". e fui para a casa vazia de crianças carregando a adulteza e a tristeza infinda que lhe acompanha. mas eu sou uma pessoa de muita sorte; almas de crianças me recolhem a todo o momento. foi assim que um papai noel chegou aqui; provavelmente um daqueles que eu desejei sem dar o passo à frente que faz com que o desejo valha a pena. a alma de menina da Nilza me trouxe um papai noel carregado de corujinhas - não no saco, mas na barriga! imaginem: um papai noel grávido de corujinhas de toda espécie é ou não é a própria imagem da perfeição para uma colecionadora de corujas e de meninezas? agora ele fica aqui a me olhar, bem na minha mesa de estudo; um rei no reino da bagunça, a me lembrar da minha alma de menina, a me lembrar do tanto de sonhos e de desejos que eu quero lhe pedir para me ajudar a realizar.
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e Nilza também disse que me sente como uma filha, e eu, tão carente de mãe, choro e choro lendo as suas palavras. fico cheia de silêncios. suas palavras mereciam um tanto de outras palavras, mas eu silencio de espanto. eu nunca sei como um ser egoísta como eu provoca o amor em alguém. e sem saber, resta-me agradecer aos céus por colocar pessoas como ela no meu caminho. isto deve ser a maior prova de que papai noel existe. sim, ele existe. e agora me olha com seus olhinhos curiosos.

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o que me incomoda é este céu aberto – e vermelho. porém, se não for aberto, perde o sentido para mim. se não é meu sangue que escorre, de que valeria escrever? não quero me preocupar se algum escroto vier aqui e tirar conclusões sobre o que escrevo, como se tivesse adquirido a chave de mim e pudesse entrar a qualquer hora. de madrugada, apenas meus amigos têm a chave. apenas eles podem entrar e eu continuar dormindo; senhores absolutos da casa que cuido para eles. os que vêm aqui e que eu amo sabem mais de mim do que qualquer outro. estes que vêm sem nenhuma alma não podem sentir a alma que aqui habita. não que os que nunca vi não saibam de nada. sabem. mas é um saber frio – como tudo aquilo que está distante. e muitos que nunca vi têm alma e calor nas palavras. é porque de fato eu quero um espaço amoroso. o amoroso é minha figura. uma busca obsessiva de lugares de espanto e de amor. e eu quero o espaço amoroso que não me estrangule – que me ouça ou me cale com a delicadeza de uma pena de ganso. aquela mesma que eu deixei perdida no lago onde estive sozinha. eu continuo com medo – e às vezes ranjo os dentes no escuro. o mesmo escuro que alcançou meus olhos por dias infindos da infância. sim, já estive cega. sei o que é abrir os olhos e ver uma pasta cinza bem à frente. eu achava que esta experiência havia levado todo o medo do escuro. mas faz pouco que descobri que o escuro do outro causa muito mais medo. como é que eu não soube disto antes? sim, é de mim que tenho medo – é do medo em mim que eu sinto medo. porque agora eu olho para um outro e vejo tudo cinza à minha frente, mesmo que a delicadeza esteja tão evidente no sorriso maroto e meio tímido. mas a aranha desce morta de trás do quadro que arrancamos da parede para colocar os anzóis e as adagas de cyane. os anzóis e as adagas que fazem saltar os olhos. sim, sempre há quem nos perfure os olhos. mesmo assim, tomamos de empréstimo o vermelho do almodovar e por enquanto estamos a salvo. nada pode ainda nos fazer mal. e se algum escroto vier aqui e achar que eu disse algo indevido, é porque o adjetivo que lhe impus lhe cabe muito bem.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Sobre "beijo de amor" e "amo-te"

não uma. ou duas. mas umas cinco pessoas perguntaram sobre o que eu sentia. como me sinto? quando me perguntaram, eu sorri. ora, era para sorrir; chorar é que não dava mais. aquele sorriso de quando ouvimos uma fofoca indevida que deveria doer bem ali onde não dói mais. o que sentir quando sei que minhas expressões se espalham? e são ditas pelo outro a uma outra que não a mim? ora, sinal que funciona. mas perde o valor? é sinal de maldade, de impiedade, de falta de cuidado para comigo? estas perguntas vêm junto no pacote. também vem junto um misto de desprezo e ironia. sim, um dia tudo se perde. eu sorrio de um sorriso indefinido, e entre divertida e surpresa [a surpresa é sempre uma forma de negação do horror causado pela ação inesperada do outro], esboço respostas que catalogo, agora, aqui. a quem se diz “beijo de amor” quando se diz “beijo de amor”? a quem se diz “amo-te” quando se diz “amo-te”? estas expressões me pertencem? quem mais ao redor de mim as usava antes de eu usá-las? creio que ninguém. mas isto faz com que sejam minhas? ou de certa forma eu as doei? e o que é devido? se eu as doei, elas me pertencem ainda? sempre achei “eu te amo” uma frase maravilhosa. nunca me recusei a dizê-la. eu assim digo; como assim beijo. eu beijo irmãos, sobrinhos, amigos, amores, conhecidos – todas as pessoas que amo ganham sempre de mim um “eu te amo”, e mais abraço apertado, beijo melado. o toque, este que tantos têm medo, eu toco. talvez por isso – pelo tanto dizer – algumas vezes eu sinta necessidade de dizer “eu te amo” diferentemente. então eu invento. primeiro inventei “amo-te”, aproveitando o pouco uso da proclise no português brasileiro. e doei o “amo-te” a uma pessoa. criei para ela. para ser mais do que “eu te amo”. foi também por isso que criei o “beijo de amor”. e achei tão bonito que também assim o disse a minha princesa. beijo de amor para dois. outra forma de acréscimo ao meu gosto pelos diminutivos, pelos cortes nos nomes próprios, pelo tratamento “exclusivo”; é minha alma dengosa que gosta. é de mim. é por isso que eu continuo sorrindo quando me dizem que o "amo-te" e o "beijo de amor" estão em outras bocas. falta-lhes imaginação? sobra imaginação em mim? talvez nem uma coisa nem outra. talvez seja excesso de ternura, de amor. porque estas expressões começaram a ser ditas por mim para isto: para alastrar uma ternura, um amor, que no momento da invenção se queriam e se imaginavam únicos. mas ternura é reiterativa; espalha-se e se reconstrói quando parece que se desfaz. da minha parte, por fim, convém dizer que por pruridos ou por excesso de imaginação eu não uso agora o "amo-te" ou o "beijo de amor", a não ser para alguns amigos. e sequer digo “amado”. amado ainda me parece um nome próprio. essas palavras, de certo modo, expressam a inteireza do que um dia deu certo e foi bonito. como “inventora”, como “autora”, eu me permito crer que posso inventar outras expressões e me desgarrar destas como quem sabe que o que criamos deve sair livre pelo mundo, deve se apropriar de outras ilusões, sob o risco de se perder para sempre. por isso, agora eu invento novas palavras. e quero crer que me recrio. recrio meus gestos. reaproprio-me do meu corpo. e este novo corpo que inventa pede um outro tanto. eu ando me recusando a ser igual. a dizer o mesmo. eu ando à caça de ainda mais delicadeza. e de pessoas ainda mais delicadas entre tantas que já habitam em mim. eu quero toda por inteiro me reinventar. e nessa reinvenção estar ao alcance de alguém. e para este alguém, eu me quero toda diferente. para que o amor não seja repetição. seja também algo novo.

e o que me disseram estas quatro ou cinco pessoas que me perguntaram como eu me sentia foi que ainda e por muito tempo “amo-te” e “beijo de amor” serão palavras minhas. mesmo que eu não as profira. e que sejam proferidas por outros.
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foto: minha sombra e, atrás dela, a arte de cy à espera da parede.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Sob os céus de Roma



nas páginas da internet, leio que 5 milhões de pássaros invadiram os céus de Roma. enquanto as autoridades não sabem o que fazer, eu me lembro do inverno de 2006, quando eu e mari estávamos sob este mesmo céu durante cinco dias. no último dia, já sozinha, eu carregava apressada minha mala, dois pacotes, o quase frio, a cabeça de vento, quando me surpreendi com o barulho das asas. em êxtase, só tive ação para clicar estas duas fotos. últimas imagens que agora, sem que meus olhos vejam, se repetem nos céus de Roma.
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Dor


na manhã que parece noite, nossos olhos vêem - talvez pela última vez - as pedras do rio madeira. as pedras daquela tarde. e daquele pôr do sol. e daquela noite sem fim. e desta manhã. o "progresso" vai deixar tudo embaixo d'agua. como é que se chama o nome disso?

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prece às avessas de uma professora

eu leio. mas é difícil para mim. sofro. não sei ler com hora marcada. texto marcado. tanto livro no mundo e uns dez na minha frente por obrigação. é como querer nos obrigar a trepar sem tesão algum. chafurdamos na lama imaginando outra cena, até que quase é. mas não é. depois fica aquilo apodrecendo até ao limite do insuportável. o curso de letras é cheio de cadáveres. e eu não finjo. muitos destes escritores para nada servem; talvez para fazer um leitor se enfastiar até quase à morte. tudo cadáver. um verdadeiro leitor nunca vai ler certos livros que nós, coitados, somos obrigados a. é uma tortura chinesa sem prazer algum. eu não quero saber quem é afonso lopes, jerônimo baía e muitos outros que estão nestas malditas coletâneas de histórias da literatura e vão parar em ementas dos cursos por pura preguiça de quem as faz. ou por puro não-saber. ou por puro descaso. e nos resta escandir versos mortos. uma masturbação sem borboleta. oh jesuscristinho, quero de novo minhas borboletas sem hora marcada. quero de novo a verdadeira literatura. aquela que me embriaga. que me deixa insone. que me deixa revoltada. mas de uma outra espécie de revolta que não esta.
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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

emoção é a palavra

ouvimos este cd com a alma na mão. o coração aos saltos. e saem tão espontaneamente palavras de admiração. é um momento único, um músico único, como diz o apresentador do festival de montreux. em 1979, eu tinha apenas 5 anos. ele, ainda nem tinha nascido. e agora rimos feito meninos ouvindo as peripécias deste senhor de cabelos todos brancos nas terras do velho mundo. a verdadeira arte, seja qual for sua manifestação, não envelhece nunca. pulsa como um coração em contato com o coração do outro.

eu tenho tanto a dizer do espanto destes dias. mas por que espanto, falta-me o tempo. olho agora para os irmãos karamazov. carrego a caixa como quem embala um bebê. dentro dela, os desejos. e os anzóis vêm em minha direção. cadê cyane que está bem aqui na minha frente? suas adagas e seus anzóis, estão. mas sinto sua falta na janelinha virtual.

e o que dizer a nilza, que me leu e escreveu assim tão bonito? "adorei, amei, me encantei. chorei até umas horas. Meu pai vem é lindíssimo, de uma singeleza, como vc gosta de dizer, delicadeza, meiguice. Seu prof tem toda razão, a sua escrita escorre quente, humana, de parto natural. Vc já deve ter fãs n°1 aos montes, portanto quero ser só a leitora de outros mais escritos como estes".

por inteira, me emociono. e mais do que nunca sinto que o caminho é este. o caminho do bem-querer. da gentileza. do cuidado. da dedicação. da concentração. e também da dispersão. da noite longa. dos olhos cúmplices e marotos. do entregar-me inteira à aventura do viver, mesmo que a lágrima caia. mesmo que os enganos existam. há e haverá sempre uma varanda com vista para a estrada. a varanda da imaginação. e durante a noite corre um vento frio. um sopro quente. e a ternura.

sim. ainda minhas meninas. diazinhos beijando-as todos os dias. com gosto de batata recheada feijoada peixe sushi sashimi. as delícias da mesa; tão boas que não deveriam engordar. e tão bonito maneca me deixando na rodoviária dirigindo seu super carro, adiantando a cabeça para receber meu beijo enquanto pergunta quando voltarei numa saudade que parece antecipada pela presença. logo. logo.
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e a manhã com cara de noite. passeio pela chuva até ao rio que agoniza. a vitrola interna exteriorizando um sem-fim de cumplicidades. e a noite com cara de madrugada. olhos doces e sabidos a me ouvir. e eu, com meus zoinhos cada vez menores, a escutá-los. depois a rua vazia recebe nossos passos trôpegos. chaplins ébrios carregados de memórias imaginando alto o diário de florença.
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sim, a vida. hermeto eterno. o fogo. e o espelho que quebra no momento de ir para a parede. e ainda pina bausch e leonilson sobre a mesa à minha espera. e julio cortazar, que me lembra denise. de quem sinto saudade. e aqueles olhos doces me trazem também marie, de quem também sinto saudade. e mari me lê por aqui. ficaria vermelha, se fosse branquela. sendo preta, ruborizo por dentro.