terça-feira, 23 de dezembro de 2008

é quase natal

... é quase natal e eu não sinto que seja. estou feliz. sim, estou feliz. mas quase não me reconheço. choro bem alto para me reconhecer. depois passa. me acalmo. e volto para o natal que ainda não existe para mim. ensaio compras de presentes. mas compro apenas para o binho e o manu. eu sei exatamente o que eles querem. eu gosto da coisa exata. custa-me reconhecer, mas gosto. e eu que sempre achei que voava sem pára-quedas. agora, eu quase imploro. depois volto atrás. rio de mim mesma. e aviso que não sou assim. apenas estou - estado passageiro. e sigo feliz. doze horas dentro de um ônibus lendo sem parar. isso depois de oito horas na mesma estrada em sentido contrário. cinco horas de aula. uma noite no meio. e uma prova aplicada. o ônibus quebra. as pessoas gritam. um senhor conta causos. o homem ao meu lado fede. uma senhora simpática quer conversar. uma troca-troca de ônibus, de cadeiras, de mexericos. e eu continuo lendo. exausta, sento no chão da rodoviária de uma destas de beira de estrada e choro como chorei há anos atrás lendo relato de um certo oriente em uma rodoviária igual sem tirar nem pôr. eu que me sinto toda diferente. agora leio o diário de florença - e lembro da noite cheia de delicadeza - o que seria da vida sem os amigos para nos indicar livros? e choro porque lembro. e choro pensando em veneza, em roma... e em florença que ainda não conheço. e rilke, imperativo, me diz: "olha". e esbraveja contra todos que não têm sensibilidade. cético louco apaixonado jovem monumental. então eu choro. nem que seja para dizer que tenho sensibilidade. posso não ter memória agudeza sapiência, mas tenho sensibilidade. e é com ela que me faço. mesmo que esta sensibilidade muitas vezes atrofie e eu veja e sinta e queira apenas o meu umbigo. tem sempre o momento em que eu me dou inteira. por ora, reivindico a contradição. o sorriso e a lágrima na mesma intensidade. nunca mais almas pela metade, se fosse crente eu pediria isto. descrente, eu tento escapar. crente, eu faço carinho no cabelo. em algum lugar, tenho um castelo de pureza. nem que seja este que agora folheio. é o que agora penso enquanto ouço bem alto o clube da esquina.
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outros outubros virão/ dos homens que são/ prefere o rio/ prefere remar/ falo assim sem saudade/ falo assim sem tristeza/ falo por acreditar/
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misturo as letras. vivencio as músicas. quase me reconcilio com elis ouvindo-a assim ao lado de milton. a voz doce dele entremeado com a voz dura de quem só reconhecia a dor. plenos de sol e de luz.
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2 Palavrinhas:

Anônimo disse...

oi milena,

venho de te desejar boas festas e um 2009 cheio de bençãos em sua vida. Beijos.

Johnny Dias disse...

A palavra curta, como o parágrafo. Linha em aço, agulha faltosa.
Milena. Li, seus relapsos, latus, lapsos, relatos, recados, marcados, atentos, rencantos, livros, prosas e lero-lero.
Milena, de repente: Milena.
cada palavra sua falta o que encontro na anterior.
Você esmaga , sem dó, para o meu deleite, a meia linha, o meio tom, átono, atônito sigo as entrelinhas que não existem em ti.
Gostei do que vi, ainda que não tenha visto o todo, que guarda em segredo clariciando o próprio segredo.
Amei ler Milena.
Diria: Milena Almodóvar.