terça-feira, 27 de janeiro de 2009

larvas dos dias

"Todo povo quer ver no palco apenas o padrão mediano de sua própria superficialidade; seria preciso, portanto, entretê-lo com heróis, música ou loucos".
Schelegel, em O dialeto dos fragmentos.
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admiração profunda por algumas pessoas. alegria por elas existirem e por fazerem parte da minha vida. algumas palavras que me dizem são verdadeiros tesouros. esta admiração me faz ir avante e, muitas vezes, retroceder. vontade de escutar. como escuto esta senhora-alma-de-menina que vem aqui nas tardes quentes e me hipnotiza com suas histórias. para agradecer, fico com vontade de rezar em silêncio as orações que nunca aprendi. é meu universo particular, a exemplo de marisa monte, a quem assisto ao DVD e choro. um choro que é memória do passado e agradecimento pelo presente. é uma estocada de emoção à cata daquela noite em que andei de bicicleta por paris, depois de chorar por duas horas durante seu show. quando a revi em são paulo também estava frio. mas não houve caminhada solitária pela cidade. as noções de distância e de emoção já devidamente diferenciadas.
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brinco de gangorra com o cartão de crédito nas livrarias eletrônicas - mil e um interesses e obrigações. devido ao ódio ao romantismo indianista desta terra tupiniquim, impor aos alunos o romantismo de todos os mundos. que eles saibam que a literatura vai muito além de um josédealencarzinho obrigatório. mil e uma intenções que sem que eu perceba finalmente me dão um corpo de estudo, e não apenas de leitura. rasbico textos, corrijo outros e salvo e compro uma bibliografia em português, pois é de literatura brasileira que preciso enquanto leio no domingo chuvoso thomas bernhard, este austríaco abismal. em cada linha, a expressão do horror. admiração profunda. um certo oco advindo da estocada no estômago devido a palavras tão fortes. o que é a vida senão este sucessivo movimento de contratempos. ainda thomas bernhard.
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também brinco de gangorra com a música. o canto dos escravos de clementina de jesus, tia doca e geraldo filme me lembram de imediato porque amo a música apesar do meu ouvido tosco. eu queria dizer ao mundo, e que todos ouvissem, que o cão de rômulo fróes, assim como o sou-nós, de marcelo camelo, são caixinhas de preciosidades inigualáveis. deixando as formigas corromperem meu querer de deus, eu vou abrir um desvão e ouvi-los um a um, reiteradamente, com este moço, enquanto nos embebedamos de vinho, e eu falo ou silencio, sonolenta e feliz, e ele fala e silencia, insone e belo.
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domingo, 25 de janeiro de 2009

O cronópio Julio Cortázar e outros cronópios

Estas frases abaixo são do voltume 1 de A volta ao dia em 80 mundos, dois livrinhos geniais de Julio Cortazar, indicação que eu fisguei nos dias maravilhosos que passei na casa da Dêamada, em São José do Rio Preto - aquele tipo de cidade que amo porque amo algumas pessoas que lá habitam. Devido à fisgada, eu li também os dois volumes de Último round, que têm a mesma estrutura. Se estes livros não tivessem sido publicados há mais de 40 anos, com certeza teriam sido, antes, blogs. Suas estruturas anti-estruturas, que aceitam como oferendas todas a sorte de colagens, são pequenas máquinas de invenção, criatividade, humor, ironia, ternura, etc. etc. etc. Cabe muito nestes etc.: poemas, ensaios, contos, notícias, desnotícias, fotografias do Cortazar e de outros, desenhos ... A ideia parece ter sido registrar tudo que lhe interessava, como um grande caldeirão onde se faz uma sopa com todos os restos da geladeira. E quem já leu qualquer outro livro deste escritor deve saber o quanto ele é genial (de fato, este é um adjetivo que se pode abusar ao nos referirmos a ele). Para mim, Todos os fogos, o fogo é um dos melhores livros de conto de toda a literatura. E O jogo da amarelinha é daqueles livros que esticam ao máximo qualquer conceito de literatura. Porém, deixemos de conversa, e vamos às frases, não sem antes confessar de que eu adoraria tê-las inventado e que elas pudessem representar o que, para mim, é este "Nenhum lugar":

"Tudo que vem a seguir participa o máximo possível (nem sempre se pode largar um caranguejo cotidiano de cinqüenta anos) dessa respiração de esponja em que continuamente entram e saem peixes de lembrança, alianças fulminantes de tempos e estados e matérias que a seriedade, uma senhora ouvida em excesso, consideraria inconciliáveis. Eu me divirto pensando neste livro e em alguns de seus previsíveis efeitos na referida senhora, um pouco como o cronópio Man Ray pensava em seu ferro de engomar cheio de pregos e outros estupendos objetos quando afirmou: "De maneira nenhuma eles deviam ser confundidos com as pretensões estéticas ou o virtuosismo plástico que em geral se espera das obras de arte. Naturalmente - acrescentava a corujinha de óculos pensando na tal senhora -, os visitantes da minha exposição ficavam perplexos e não se atreviam a divertir-se, porue uma galeria de pintura é considerada um santuário onde não se brinca com a arte".

Tem mais:

"Já se deve ter notado que aqui chovem citações, e isto não é nada perto do que vem pela frente, ou seja, quase tudo. Nos oitenta mundos da minha volta ao dia há portos, hotéis e camas para os cronópios, e além disso citar é citar-se, como ja disseram e fizeram mais de meia dúzia, com a diferença de que os pedantes citam porque veste bem e os cronópios porque são terrivelmente egoístas e querem monopolizar seus amigos..."

E como falei da Dêamada, vale uma explicação: ela não se conforma de que eu não tenha lido ainda Histórias de cronópios e de famas, porque ela diz que eu sou um cronópio. E me chama de Cronopinha, quando eu lhe digo algo que parece uma travessura, mas eu estou começando a ter certeza de que ela é a verdadeira cronópia; esta moça que não gosta de claridade e que, por causa disso,quando estou lá, vem se arrastando com os olhos fechados e os braços esticados até a "minha" janela para fechá-la. Só depois disto, ela se senta na beira da cama e iniciamos ali nossas conversas infindaveis, para horror da Djoia, que morre de ciúmes e fica latindo a nossa volta.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Persona

Ontem, assisti a Persona, de Bergman.
Creio que não preciso dizer que.
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Há momentos em que basta o espanto.
O de agora é cheio de.
Sinto que vivi até agora para chegar até aqui.
Para me contrapor.
E ao mesmo tempo parecer absolutamente tranquila.
Persona, impossível morrer sem.
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quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Album de férias

"este grão numa longa espiga de verão". Julio Cortazar.
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Eu tenho uma queda por diários. Resultado de anos de escrita. Parei em 2002, acho, quando eu mesma me espantava com o que escrevia, como se houvesse uma outra Milena, desconhecida para mim e para aqueles com quem eu convivia. Daí a "queda" ser a razão de este blog pender constantemente para as miudezas do dia-a-dia. Porém, como já insinuei, acho diário um bicho perigoso, ainda mais se qualquer um pode ler. Por isso, as entrelinhas.

No entanto, vem-me sempre a vontade de registrar os dias, quando são bonitos. Minha memória não tem zoom. Então, faço deste lugar o meu zoom::: para não esquecer. Não quero esquecer que minha irmã Mácia, com meu sobrinho-afilhado, sairam de Fortaleza para virem à floresta, unicamente porque nos amam. E que meu irmão também saiu de Sampa e veio. E fizemos uma festinha de ano-novo na casa da Maneca, em Porto Velho, que foi uma maravilha. A foto para o ábum de família ficou linda!

E Porto Velho é pertinho da Bolívia. Na maior parte do tempo, não nos damos conta de que moramos em um estado de fronteira. As visitas nos fazem lembrar. Então, fomos em Guayaramerin, que já é a Bolívia, basta atravessar o rio de "voadeira". Lá, não tem o que fazer, além de fazer compras de coisas desnecessárias, a preço baixinho. Foi um dia divertidíssimo, sob o sol escaldante. O nível de "serotonina" deve ter ido às alturas, porque fazer comprinhas de bobagenzinhas (fivelinhas, tigelinhas, bolsinhas, meias, chapéus) não tem preço de tão bom!
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E em Porto, o rio está sempre lá para aqueles momentos de distração, em que afloram a doçura, a delicadeza. E isto não faltou. Mudos de palavras, embaraçados com o que não queremos nomear, mas queremos sentir. Ele foi e voltou e foi outra vez. E suportou três Milenas em uma viagem de 10 horas, sendo que a menos reclamona sou eu. As outras duas - irmãs nas fobias e na tagarelice - têm medo da menor curva! Ui!
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E em Porto tem meus amigos - amigos que amo. Com quem sinto um enorme prazer em estar; mesmo que seja num momento como o de agora, em que sinto uma necessidade quase física de solidão - o tempo para ler meus livros, ouvir meus cds. Porém, ser arrancada desta necessidade para viver uma noite regada a vinhos e muita risada, também não é momento que se possa esquecer.


Eu tenho a firme convicção de que momentos como estes, todos estes, devem ser vividos - que por mais que seja fascinante a solidão cultivada por causa dos livros, ela não deve substituir o contato com as pessoas. Ir para um sítio para que o sobrinho possa pescar - nem que seja levando o livro com o risco de molhar no barco - tem o ar de eternidade.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A definição


Eu tenho uma certa inveja de quem sabe definir; ainda mais se for uma definição exata, em que tudo parece estar no lugar e nada escapulir ou faltar. É claro que só temos inveja do que nós mesmos não sabemos. Eu sou muito ruim em definições, em conceitos. Às vezes, mordo os lábios atrás de algum conceito estudado - e logo esquecido.

Qualquer livro de Octavio Paz, o teórico-poeta por excelência, causaria inveja não apenas em quem tem inveja de criadores de conceitos ou escrevinhadores de definições. Todos os seus livros são bem escritos. E não apenas isto. Em todos os seus livros, pulsa um conhecimento que é já sabedoria.

Não é diferente em Marcel Duchamp ou o castelo da pureza, livrinho que reúne seus dois ensaios sobre este artista. Delicia de ler; delícia de aprender. E abaixo, a tal definição que me deixou boquiaberta. A de ready made:


"Os ready-made são objetos anônimos que o gesto gratuito do artista, pelo único fato de escolhê-los, converte em obra de arte".


Perfeito, não? Ele continua:


"Ao mesmo tempo esse gesto dissolve a noção de obra. A contradição é a essência do ato; é o equivalente plástico do jogo de palavras: este destrói o significado, aquele a idéia de valor. Os ready-made não são antiarte, como tantas criações do expressionismo, mas a-Rtísticos. A abundância de comentários sobre o seu sentido - alguns sem dúvida terão provocado o riso de Duchamp - revela que o seu interesse não é plástico, mas crítico ou filosófico. Seria estúpido discutir sobre a sua beleza ou feiúra, tanto porque estão mais além da beleza e da feiura como porque não são obras mas signos de interrogação ou de negação diante das obras. O ready-made não postula um valor novo: é um dardo contra o que chamamos valioso. É crítica ativa: um pontapé contra a obra de arte sentada em seu pedestal de adjetivos. A ação crítica se desdobra em dois momentos. O primeiro é de ordem higiênica, um asseio intelectual: o ready-made é uma crítica do gosto; o segundo é um ataque à noção de obra de arte".

In: PAZ, Octavio. Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. Tradução: Sebastião Uchôa Leite. São Paulo: Perspectiva, 2007.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Com as conversas de Almodóvar


O que me seduz em um livro como este não é a possibilidade de ler sobre o que pensa o Almodóvar sobre a sua obra. Isto é, não estou atrás de uma análise justa, à primeira mão, de seu cinema. O que me fascina é a emoção. A emoção que eu sinto através das suas palavras emocionadas ao falar não apenas sobre seu cinema, mas também sobre o mundo e sobre ele mesmo. É como se fosse possível saber que sua respiração é agitada, que seu andar é rápido, que ele não fica sentado durante muito tempo, embora estas informação não estejam ali, nas conversas. A radiografia do humano, que posso ver nos seus filmes, também posso vê-la nas suas palavras, na sua paixão pelo seu trabalho de cineasta. Uma radiografia anárquica, colorida, plural, que coloca a nu tantas das hipocrisias do humano.

E, por outro lado, é inevitável que o livro sirva também para atiçar a vontade de rever os filmes. Aí, sim, é uma espécie de voyeurismo::: são os olhos de Almodóvar que tomo emprestado. São com seus olhos que revejo determinada cena, determinado ângulo, determinada música. Sinto vontade de pregar o olho em todas as cenas, para trazer dali algo novo. E é o que faço aos poucos neste início - não só do ano. Mas o início de muitas emoções novas.

A quase leitura de Os irmãos Karamázov


É sempre um momento poderoso ler Dostoiévski. As sombras descem. E meus olhos ficam ainda menores - como se houvesse um susto, ou um temor. O que se passa? Ainda mais Os irmãos Karamázov, um livro quase mítico para todos os leitores brasileiros que amam Dostoiévski e não sabem russo. Foi longa a espera por uma tradução direta do russo. Quando eu soube que finalmente havia saído a edição da Editora 34, com tradução de Paulo Bezerra, o desejo de possui-lo foi intenso. Todo desejo primário é o da posse. Comprei-o imediatamente, embora soubesse que não teria tempo de lê-lo. Agora, estou lendo-o. Ou quase lendo-o. E, embora muita coisa aconteça a minha volta, a impressão é de que estou em algum lugar da Rússia; um lugar feito de conflitos e contradições. E é por assim estar que eu me demoro a realmente começar. Tenho medo de marcar o início do ano com a leitura deste livro. Talvez porque eu lembre exatamente os momentos da minha vida em que li O idiota e Crime e castigo e, embora tenham sido momentos de acontecimentos vitais na minha vida, são estas leituras que, no filtro do tempo, continuam vívidas na minha memória. Não exatamente as histórias, porque não tenho uma memória privilegiada, mas o que senti ao lê-las. É este sentimento - ou um sentimento parecido - que talvez agora exija de mim um retardo, uma demora.
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Hoje li Fausto Zero, de Goethe.
Ontem, Pier Paolo Pasolini, de Maria Bethânia Amoroso.
Nos intervalos, finalizei o Livro I de Os irmãos Karamazóv.
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O que me espera no Livro II?
Amanhã, lerei Dialogos com Leucó, de Cesare Pavese. Relerei.
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Minha irmã Maneca, minha irmã Mácia e meu sobrinho irão embora amanhã. Passaram a semana comigo. Ora dormitando, ora vendo filmes, ora andando pela mata, ora... Antecipo o vazio de amanhã e perco o sono.
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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

sempre as horas

achei que em janeiro estaria em paris. muito do que achei no ano passado não aconteceu. talvez aí resida a beleza::: no transtorno fundante da vida. neste emaranhado de surpresas e acasos. casos. não estou em paris. talvez porque o medo do outro seja o que mais interrompa o amor. eu me imaginei lá espectadora de um amor. porque o amor tem muitas faces. eu amaria os dois. e seria amada por eles. e o amor deles hoje se faz de outra forma, percorre outros caminhos. perdemos paris a três. porém, não temos paris, mas temos a nossa história. os nossos dias. as nossas horas. como eu disse a ela: "isto é nosso. ninguém mais nos rouba". e choramos agarradas - na rede vermelha. e é assim que agora estou aqui em porto do velho. por caminhos misteriosos, 2008 foi o ano de ficar mais próxima da família, de aprender como se faz, de querer aprender. o resultado é que os irmãos passaram o ano novo juntos. uma veio do ceará. o outro, de sampa. e mais um, do mato. reunimo-nos, aqui, na casa da irmã mais velha. e foi bonito. na primeira vez que tentamos, depois de crescidos, houve vários estranhamentos. nos amávamos ainda, mas já não sabíamos como conviver com tanta diferença. até o preço da carne foi motivo de discórdia. o preço da cerveja, então, teria sido o dissenso, se não houvesse a gargalhada. neste ano, elas me ligaram perguntando se compravam logo a cerveja. compraram. eu cheguei na manhã do dia 31, encantada com o ombro onde pude dormir durante quase toda a viagem. no resto, ficamos de olhos abertos vendo a chuva na estrada. sim, talvez seja esta a beleza. acho que não foi dificil para ele, apesar de sua alma atrapalhada ter feito um furo no teto da minha irmã. um furo no teto, quando a vontade era que tudo corresse bem... ele se sentiu protagonista de uma daquelas comédias em que tudo dá errado, mas tudo acaba em gargalhada. muita risada na primeira hora do ano. e muita preguiça nos dois dias seguintes; preguiça regada a churrasco. tatus em família.

estou aqui, pois, em porto. onde me sinto em casa. lendo, enquanto com os ouvidos ouço as histórias das minhas irmãs. elas repetem a mesma história inúmeras vezes. e são teimosas. sorrindo complacente, eu me pergunto se faço o mesmo. se sou assim. desconfio que sim. talvez todos façamos isto; afinal, as nossas histórias são o que nos provam que estamos vivos, que temos uma vida.

tenho aprendido isto. será que tenho aprendido mesmo? talvez desaprendo. sei que em julho paris estará menos frio. e talvez eu esteja lá lamentando não poder usar meus chapéus. agora, aqui em porto, está muito quente. e tem muita vida circulando. eu carrego para cima e para baixo "conversas com almodóvar" e leio partes dele em voz alta para o ney, atrás da sintonia que pressentimos. almodóvar me faz sentir tão viva. parece que carrego em mim todas as suas cores, todas as suas intensidades. sinto vontade de tantas coisas. sinto desejos.

que nada me tire os desejos. o poder de desejar.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

se

uma retrospectiva, se soubesse. uma previsão, se pudesse. mas, assim, cheia de ternura - do filme, do livro, de deixar o tatu na rodoviária, das manas dormindo logo ali ao lado, do mano na rede, dela tão bonita desejando que o casal da série se reconcilie logo para ela poder dormir -, eu entro em devaneios. e guardo-os todos aqui, no coração que bate.
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