quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

mistérios de persépolis

tem seus mistérios este recolhimento na época do rei momo. e sua beleza. já fui uma boa foliã. daquelas de pular cinco noites e não saber exatamente onde acordava; isto quando dormia. meu pai achou que eu estava em alguns destes hiatos do tempo. ele também é um bom folião. ou era. lembrei-lhe que o tempo passa. e que até a sua caçula era agora uma senhora. rimos juntos do meu ar fatalista. ele e seus desejos de peter pan.

ano passado estava em recife com minha amiga marie e nathalie. havia o aconchego da casa da cy e do alberto. e aquele carnaval inclassificável de tão poderoso. está tudo aqui dentro de mim. meu amigo francês me escreve perguntando se não vou. ele vai. seu Brasil é com "s", segundo me diz. mas sente que era mais fácil encontrar milena em paris. digo-lhe que moro na mata e estou envolta em mistério. digo-lhe também que em recife está o melhor carnaval do Brasil - com s. carnaval para o povo, sem abadás, sem cordão de isolamento. e que não tenha medo do povo. vá de chinelo verde, camiseta regata e sua alma bonita. e que não esqueça de ir em Calhetas e Porto de Galinhas. meus olhos já pousaram por lá. e arrebentaram de tanta beleza. sim, meus zóinhos. os mesmos que contemplavam o telhado pela frestra da cortina de tecido cru. já com as malas e os mapas, ele me diz que enche os olhos de emoção quando lhe conto.

"e sabe de persépolis? agora li em português." Persépolis é a HQqueviroufilme da iraniana Marjane Satrapi. apaixonei-me desde que vi o trailer nos últimos dias que estava em Paris. o filme sairia depois. e esta HQ é ainda hoje um exemplo de como minha dispersão pode ser inoportuna - últimos dias, ainda muito a pesquisar na biblioteca do pompidou. mas chego enfeitiçada pelo trailer e o procuro na seção de quadrinhos. e fico lá umas boas três horas lendo persépolis enquanto os livros de derrida definham em cima da mesa. depois me chicoteio de culpa. só mais de um ano depois vi o filme em sampa. e mais um ano para lê-lo em português. agora - envolta em alegria.

eu acho que Persépolis conquistou o mundo porque tem aquilo que toda boa autobiografia tem: "parece" ser tudo verdade, mas uma verdade filtrada pelo tempo. então pela "verdade" trespassam o humor, a ironia, a reflexão, a graça - "graça" é uma palavra muito usada pelos escritores românticos alemães, que também ando lendo.

pois vivo assim este carnaval. ainda tem os filmes. e tem ele, calmo e ansioso na medida certa. e tem as palavras dos amigos. mari e mari, dê, marie, fabiola, cy, lu, binho; para eles, eu conto. e recebo de volta palavras tão bonitas. e o que me vem? me vem muita beleza.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

fragmentos para ele

"Há alguns dias, Deus - ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus - enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
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Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer, eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom.
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Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mau me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah, você não come áçucar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas".
(Fragmentos da primeira crônica de Pequenas epifanias,
de Caio Fernando Abreu).
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Depois Caio continua. Avisa que nada demais aconteceu. Cansaço ou medo de tentar. Dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Mas eu estou em outra aprendizagem. Em plena aprendizagem. Justamente a de pedir. A de dizer. Talvez por isso esteja sendo tão bonito. E tão diferente. Intempestivamente bonito. E diferente.
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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Pequenas epifanias

Só que os escritores são seres muito cruéis,
estão sempre matando a vida à procura de histórias.
Caio.
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Sono de pesar o olho. E não durmo. Deito ao lado da sobrinha. Leio meu livro. E nada. Lembro então de momentos doces como algodão doce da esquina da infância e venho até ao computador antes que eles me fujam. Borboletas presas pelas asas por alguns segundos. Tantas. Dias absolutamente delicados. Apesar das obrigações em volta, tudo suspenso pela delicadeza. Assim.
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No ônibus, olhando o escuro da lua pela janela, tento lembrar dos filmes a que assisti e não anotei. Me vem inteira A história de Adèle H, de François Truffaut. E eu fico pensando naquele amor que de tudo toma conta até à loucura. E de novo me vem à mente que é a idéia de amor que amamos primeiro. A tal ponto que um dia o objeto de amor passa por nós e não mais reconhecemos - mudos e alheios para algo além da própria dor. É tão bonito isto. Sempre achei Truffaut muito mais gênio do que Godard. Truffaut aparentemente tão simples, conta histórias que parecem desprentensiosas, mas, de repente, vendo o mundo passar lá fora, ou aqui dentro, ela cai como um raio sobre nós, deixando um rastro de beleza.
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E também me vem aos lábios um sorriso ao lembrar de Gelsomina, papel de Giulietta Masina, em La Strada. Lembro de Almodóvar insinuando que, quando visitou a ela e a Felini, percebeu que havia ali uma situação de dominação - ela pequenina e tímida diante do gênio. Ele, severo e pouco sensível. Ora, ela mesma um gênio, será que não sabia? Uma palhacinha triste. Corpo e alma entregues ao ensejo de nos fazer rir e chorar.
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Então, chego aqui na Maneca e tem uma caixa de livros me esperando. Folheio apressadamente vários. Aqueles pesados de tão obrigatórios. Aí leio o primeiro parágrafo da primeira crônica de Pequenas epifanias, de Caio Fernando Abreu. E não o largo mais. Queria que ele me protegesse da minha própria dureza. Do que disse e ouvi de feio nestes dias. Ah, jesuscristinho, estou convicta de que destes dias levarei apenas a delicadeza. Que nenhuma maldade seja suficientemente mais memorável do que estas pequenas epifanias. Não me deixe repetir estas maldades que brotam das nossas bocas como a flor de Pirandello só porque nos pegam distraídas e porque achamos que devemos nos sentir parte das grandes boiadas. Caio doi tanto que me desfalece. Eu fico entre dizer que ele é um grande escritor ou um escritor das infinitas miudezas, o que dá no mesmo. Tão humano que as folhas parecem sangrar. Aí, chego às páginas em que ele também lembra de Truffaut e Gelsomina. E me vem um arrepio - e fico quase tão esotérica quanto Caio, desconfiando destas confluências, destes encontros que parecem acasos, mas bem poderiam ser chamados de milagres, por que não?
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domingo, 8 de fevereiro de 2009

leitura e escrita

Foto: Untitled 129, de Cindy Sherman, 1983.

não importa quantas vezes eu o leia. ou releia. a cada vez é um espanto. choro, às vezes convulsivamente, quando o leio. não porque ele me faça chorar, mas porque sofro com tanto sofrimento contido, com tanta dor represada. choro pelo homem e pelo escritor - que deve ter sofrido para realizar a arquitetura das suas palavras. pois a cada vez desejou o silêncio impossível, o dizer nunca mais. graciliano ramos é assim. uma ferida aberta e inclassificável na nossa literatura. o mais sofrido. o mais inteiro. e o mais em pedaços. não existe nada mais dolorido, sinceramente doído, do que os mil não-ditos que antecedem o suicídio de Madalena em S. Bernardo.
eu vivo os dias. mas não quero falar deles por enquanto. vivencio-os com uma delicadeza já suspeitada. e também com muito temor. escrevo. não aqui, no blog. que é sempre uma brincadeira que vem da infância. mas escrevo um artigo e cada palavra é também doída, mas sem a transcendência de graciliano. é trabalho chifrim para pôr no currículo lattes. desimportância obrigatória. fujo o tempo inteiro, mas me encho de irritação e ansiedade quando tenho que sair da frente do computador. hoje encontrei a resposta do perrengue. está lá escrito na página 29 de um livro sobre graciliano, o que significa que foi adquirido há cinco anos. a frase: "Quando eu tocar Graciliano com minha escrita, terei feito algo importante". pois é o que agora eu tento aos 34 anos, remodelando um pequeno texto antigo. mas me dou conta de que não sou capaz de escrever algo importante sobre graciliano. ninguém ainda foi. nem antonio candido, o mestre, que diz coisas muito certinhas, bem feitinhas, no livro ficção e confissão, mas não alcança a dor de graciliano. o tempo todo sou atravessada por outros textos. e descubro que odeio a escrita de artigo. parece-me letra morta sem nenhuma paixão. análise análise análise. a escrita teórica no Brasil é de uma carolice sem fim. não há um único escritor de peso que "viaje na maionese" para servir de inspiração. cientistas socialistas estruturalistas imitadores diluidores. eu não fico atrás. por isso, fico com vontade de escrever à la alberto lins caldas, que radicaliza até me dá medo. eu concordo até a medula, mas temo o plágio. então, continuo minha escrita de neo cientista que escreve em um blog que não pode ser colocado no currículo. quem escreve em blog não é escritor nem crítico. não é nada. é só um serzinho viscoso e narcisista que escreve para o umbigo e para crer que faz algo na vida que merece ser registrado. mas os dias. os dias chovem. lá fora. aqui dentro, um sol enorme. eu olho pelo vidro da varanda. é meu xodó. como tudo que é bonito, me enternece. é uma bonita imagem. nada a ver com a imagem da cidade lá fora. eu vejo daqui apenas a rede vermelha, o cinzeiro dele eternamente confinado ao ar livre da varanda e um pedaço do céu. não é só do céu que eu gosto. gosto do conjunto. gosto de pensar que moro à beira da estrada, embora daqui eu não possa vê-la. só posso ouvir o barulho dos carros que não param de ir e vir. também gosto de pensar que qualquer dia eu irei. e não irei sozinha.
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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

vide depoimentos

E ter empregadas, chamemo-las de uma vez de criadas,
é uma ofensa à humanidade.

Clarice Lispector, em A descoberta do mundo, p. 37.

Tocando em sentimentos que são meus, percebo que, diferentemente, ninguém fica indiferente. As sensibilidades que afloraram nos depoimentos, creio, têm a ver com a estrutura profunda de desigualdade no Brasil. Não digo do Brasil, mas no Brasil. Isto que chamou de "culpa burguesa" só existe por causa desta desigualdade. Sentimo-nos repetindo com as pessoas que trabalham nas nossas casas um sistema injusto de mais-valia, cuja mão-de-obra vale muito pouco. No fundo, a questão é esta: pagamos uma miséria; mesmo aqueles que pagam o salário mínimo, porque qualquer um que o faz está na condição de saber que viver com um salário mínimo é de uma injustiça sem tamanho.

Rubiane tem razão: que mantenhamos ao menos esta sensibilidade, para não coisificarmos as relações, embora eu saiba do risco de esta virar hipocrisia. Em países mais desenvolvidos, embora seja uma leva de "sem papéis" que fazem estes serviços, a relação é mais igualitária. Na classe média, não existe a figura da "empregada doméstica", uma vez que o salário mínimo é muito alto. Trabalhando para agências, e não diretamente para as pessoas, as diaristas conhecem muito bem seus direitos. Na Casa do Brasil, em Paris, onde eu morei por um ano, eu limpava a parte de cima do guarda-roupa porque existe uma lei que diz que as diaristas só devem limpar o que o seu braço alcança. E se eu não retirasse os lençois, elas não os trocavam, porque tinham a obrigação de deixar os lençois limpos, só se os sujos tivessem retirados da cama. E nada que fosse além dos móveis "catalogados" eram afastados ou retirados do chão, então se eu não colocasse sandálias, livros, bolsas, roupas, em cima da mesa, no dia da faxina, a parte do quarto em que estes objetos se encontravam não era varrida. Tudo no papel, legalizado e cumprido. Aqui, se uma família tem uma empregada, na grande maioria, os filhos não aprendem nem a colocar a roupa no cesto de roupa suja.

Algo de que eu gostava muito (e a maioria dos brasileiros detesta) é a cultura de não-servilidade que existe por lá. Ninguém para colocar as compras nos saquinhos, levar até ao carro, etc.; também não existe a figura dos frentistas. Nem os vendedores são bajuladores (e sim, técnicos, que sabem todas as informações precisas de um produto e nos dizem as vantagens e desvantagens de comprá-lo, mesmo que seja mais barato que um outro similar.) Os brasileiros, mal-acostumados, quando não encontram um bando de serviçais, chamam isto de falta de educação! Eu achava uma maravilha e ia percebendo que estas profissões existem apenas por que se pode pagar uma miséria para quem trabalha nelas. Duvido que um dono de supermercado no Brasil pagasse a empacotadores, se tivesse que pagar um salário mínimo de 1200 euros. Então, até a cultura da servilidade vem desta desigualdade social que corrompe as relações. E não pensem que sou ingênua a ponto de pensar que outras formas de desigualdade não existem por lá. Porém, ao menos, não existem estas, tão à flor da pele. Ninguém pense que pode tratar mal um vendedor, um garçom, um fiscal de ônibus e eles vão baixar a cabeça com medo de serem despedidos. Pelo contrário, eles vão nos dar uns gritos e não se importarem nadinha com nossos gritos histéricos, nossa falta de educação e nossa vontade de sermos servidos - disfarçados malemale por uma simpatia forjada tão própria do brasileiro quando está no estrangeiro, passando a considerar-se o "melhor povo" do mundo.

No Brasil, uma empregada doméstica, que recebe o salário justo, ganha de um a dois salários minimos. Eu, uma profesora universitária federal, ganho cerca de doze salários mínimos e estou naquela faixa de "classe média baixa baixa". Um professor universitário da França ganha entre um a três salários mínimos. E não é classe média baixa, baixa. É intelectual respeitado - que faz sua comida, lava seus pratos e leva seu carrinho ao supermercado para não entupir o mundo com sacolas plásticas. Então, como não ser sensível a estas diferenças? No entanto, eu quero crer como a Mari: nada é estanque. Não existe oportunidade para todos (esta é talvez a mais maléfica das falácias!), mas existem as brechas - um torneiro mecânico vira presidente, uma empregada doméstica vira doutora em lingüística, uma filha de carroceiro se apaixona pelas Letras e também vira doutora, embora de um troço chamado literatura cada vez mais devalorizado, e passa a ganhar em um mês o que seu pai aposentado leva doze meses para ganhar. Isto talvez seja o que ainda nos faz acreditar e nos indignar. É talvez o que explique os depoimentos - compreensivos e conflitantes.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Da ordem da casa

DA ORDEM, DO RITUAL "Quando vou começar um livro, tenho surto de arrumação na casa. Me dá uma fobia de jogar papel fora; de chegar no escritório, arrumar tudo, tirar pó. Deixar tudo organizado, limpinho. Aí, caneta na mão, fico olhando aquela página em branco."
Cristovão Tezza

Agora, tenho uma diarista. O que era para ser alívio, a cada quarta-feira é motivo de angústia. De outros modos, já disse aqui que a casa me pressiona. me impressiona. Eu tenho mania de limpeza, resultado de uma educação rígida em que uma casa mal varrida implicava em varrê-la outra vez e uns pratos não lavados resultavam em uma surra no meio da noite. Ainda tem o agravante de eu ser alérgica, inclusive a poeiras, nestas cidades empoeiradas. O resultado foi a tal mania de limpeza. Mas eu estou enjoada. Continuo com a mania mas não quero mais perder tanto tempo com uma pressão que se repete, impiedosamente, a cada dia. Desejo, talvez, perder o medo das surras - agora para sempre imaginárias. Ou, parando de fazer psicanálise de botequim, desejo simplesmente ler meus livros em paz. Daí, a diarista. Mas se a própria Clarice Lispector se sentia intimidada com as empregadas, imagina eu, vinda de uma gente trabalhadora, explorada, sempre a pedir desculpas pela existência, como são os nordestinos, ou ao menos como são os cearenses da minha linhagem, que, na maioria dos casos, nunca foram empregadores, e sim empregados, embora jamais "empregados domésticos", por ordem da santa senhora das surras noturnas, que sempre repetia que filha dela não era para limpar chão dos outros - já havia chão demais na nossa casa, que ela nunca cansou de alongar seus domínios.

No primeiro dia que a diarista veio, quase pedi desculpas por haver tanta roupa por passar. Se não estou enganada, balbuciei algo como "Da proxima vez, não haverá tanta roupa, é porque acumulou. Eu estive muito ocupada...". No segundo dia, ficamos umas quatro horas de bunda para cima limpando uma cerâmica que eu cometi a barbaridade de colocar cera quando não devia, o que resultou em uma cor que, devendo ser branca, havia se transformado num amarelidão medonho. Eu disse "ficamos". Para mim, pareceu imoral continuar dormindo enquanto alguém ficaria de bunda pra cima sozinha consertando uma barberagem minha. Ela não se fez de rogada e tascou uma frase como: "Eh, quando fazemos uma bobagem, temos que pagar por isso, sofrer por isso". Mordi o lábio para perguntar se ela era protestante ou o mordi para não cair na tentação de insinuar meu ateísmo latente, ou, no melhor dos casos, minha negação absoluta a qualquer idéia de castigo divino. A intimidação se avizinha sempre da timidez. E, naquele momento, era eu a empregada a engolir um desaforo que gostaria de ter dito. Jesuscritinho me perdoe qualquer ofensa, é o que devo ter pensado.

No entanto, eu continuo com fé que, com a alvura da cerâmica devidamente recomposta, logo conseguirei dormir o sono dos justos enquanto outra faz o serviço de casa que eu não quero mais fazer; afinal, parece-me certo procurar alternativas para não gastar tanto tempo com arrumação de casa, sem que isso signifique passar a viver na sujeira, algo que eu tenho certeza de estar além das minhas forças. Uma casa limpa, para mim, é sinônimo de sossego, único modo de poder ler, estudar, escrever. Parece doideira? Mas quem não tem suas doideiras escondidas na manga? Pensar assim me consola. Ao menos, até a próxima semana, quando espero ter coragem de pedir a ela que limpe os vidros da porta e das janelas, enquanto eu folhearei despreocupada algum livro. Por falar em livros, hoje respirei aliviada quando ela disse que a próxima quarta-feira seria para limpá-los. E acrescentou que eu não me preocupasse porque ela tinha as "manhas": limpava prateleira por prateleira, recolocando-os como estavam. Creio que não me mexi. Era sério o risco de me ajoelhar aos seus pés.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Dias de cronópio

"Neste país onde as coisas se fazem por obrigação ou por fanfarronada, gostamos das ocupações livres, das tarefas sem importância, dos simulacros que de nada adiantam." Julio Cortázar.
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semana toda entre livros de fotografia. cortázar, em um dos seus livros-colagem, cita uma frase de seu amigo andy warhol. esta: "eu gosto de gostar de coisas". se eu tivesse vivido no tempo de fazer brasões, eu mandaria fazer um e daria um jeito de colocar esta frase para me representar. eu gosto tanto de gostar de coisas que às vezes eu mesma me irrito. mas na maior parte do tempo eu me deleito. tenho um grave defeito de gostar de brincar de gangorra. basta a
cosacnaify anunciar uma daquelas suas promoções-relâmpagos de 50% de desconto que eu já me resigno e sei que vou fazer peraltices. foi assim que vários livros de fotografia chegaram aqui; do mesmo modo, há uns dois meses chegaram vários de cinema e de artes. e o pior é que eles chegam e eu esqueço todos os meus deveres de cidadã com deveres. esqueço e me perco neles. "cuba por korda", "abbas kiarostami", "o lugar do escritor", as fotos portáteis de antonio saggese e cris bierrenbach, "antropologia da face gloriosa", "si por cuba", não são livros que se contentam de irem para a estante e virarem objetos mortos. eles pedem antes o amor tátil. o folhear atento e emocionado, o dormir nos seus braços na tarde quente. e acordar com o rosto colado em um deles sem saber se já é tarde. nunca é tarde. é o que eu penso, ajudado por eles. nunca é tarde para gostar de coisas. para gostar da vida. para colocar nela a delicadeza e a emoção. eu tenho muito medo, nunca disse que não tinha. mas antes dizia menos. a imagem da mulher independente. agora, eu expresso tudo mais facilmente, ainda que cheia de silêncios. se me dizem que sabem que eu estou nesta cidade a contragosto, eu não desminto. mas duvido que tenha alguém mais consciente de minhas escolhas do que eu mesma. escolhas ou acasos, eu abraço tudo. e vivo. e vivo bem. não me faltam brechas. e sempre me surgem seres lindos para me ajudarem a construir estas brechas. sim, aqui é só um instante. que dure muito, que dure pouco, é só um instante, um instantâneo. como as fotografias, mas sendo minha vida. eu não quero dor, mas agora que já perdi o medo, se um dia vier outra vez, vai doer outra vez e passar outra vez. é a vida. e o que fazemos dela e o que ela faz sozinha - como os raios que nos partem e quebram nossos sorrisos ao meio.
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e de tanto me perder no meio destes livros de fotografia - que são lindos, são delicados, são repletos de histórias e de vidas e de imagens - eu lembro que eu mesma fotografo, embora não seja uma fotógrafa, não tenha a delicadeza e a presteza de uma grande fotógrafa. porém, no meio da madrugada, enquanto ele, na rede da varanda, morre de rir com "cem anos de solidão" e me pergunta o tempo todo se eu lembro de tal trecho, e eu, amaldiçoando a minha parca memória, digo-lhe que não lembro e que ele pare de me torturar; eu mexo no meu arquivo de fotografias e seleciono estas que estão aí abaixo.
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foram tiradas na minha viagem a Natal, quando meus amigos - minha amiga-comadre de infância, por quem eu sinto um verdadeiro e inesgotável amor - saiu de minha cidade natal para estar comigo nesta cidade Natal cheia de lembranças. eu já contei aqui. faltaram as fotos. sempre esta falta.

Album de fotografias - Natal