quinta-feira, 30 de abril de 2009

Ainda Valsa com Bashir


Minha amiga Mari, que me indicou Valsa com Bashir, fez uma bela leitura sobre o filme nos comentários, preenchendo os vazios que eu fui deixando. Resolvi colocar aqui. Não resisti e escrevi um pouco mais depois do texto dela:
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"Milena, sim, concordo que cada memória apresenta buracos! Não é possível reconstruir o vivido, ele busca respostas
nos outros, mas estes também apresentam lembranças incompletas. Mas a impossibilidade da reconstrução, a meu ver, se configura pelo que parece ser o grande tormento: o silenciamento diante do massacre. No final do filme, eles assistem às execuções, aos bombardeios do topo de um prédio! Nós assistimos aos bombardeios pela televisão!! É como se o diretor perguntasse o tempo todo: 'como, por que ficamos em silêncio?' Então, se nada ele fez em termos de ação, houve a inação. Lembra da cena em que aparece a família sendo excutada? Houve um silêncio enquanto um grupo agia na calada da noite! O esquecimento fica inaceitável! Lembra do Fernando Bársena que, apoiado na Hannah Arendt, fala do horror dos campos de concentração? No final do texto, Bársena diz que temos que pensar, discutir aquele horror para que não deixamos que ele volte a acontecer. Rememorar, construir uma memória, mesmo que esfarrapada, do que aconteceu talvez seja a forma que o diretor de Valsa com Bashir encontrou de lutar contra o silenciamento da memória (que esquece), contra o normalização do massacre (a autoridade é avisada do que estava acontecendo, mas volta a dormir). Nesse sentido, as imagens finais, naquele tom azul, funcionam numa fronteira de contradição. A cor remete ao que é irreal, mas o mostrado não permite que se fique nesse lugar do sonho, de um possível acontecido! Os corpos retorcidos, empilhados, aquele choro das mulheres (sempre elas, o que lembra as mães argentinas gritando pelos filhos que desapareceram nos porões da ditadura) nos arrancam desse lugar. Funciona como uma sopapo bem forte!!! É como se dissesse: é proibido esquecer!"
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Sem dúvida, é uma luta contra o silenciamento, contra a normalização da barbárie. É um gesto político. Os artistas têm feito o papel que a História sempre fez de maneira incompleta, uma vez que se baseava em um tipo de "leitura por cima", que se desejava imparcial, mas que resultava em um trabalho conivente com a barbárie. Quando destaquei a mistura do real e do sonho, não era no sentido de diminuir a força dos acontecimentos, mas de enfatizar este olhar de dentro, o olhar da testemunha, em que o horror é sempre muito maior e, por isso, resulta em uma memória esburacada. O fato de existir o filme não diminui a culpa, apenas ajuda a conviver com ela; é o legado da nossa geração e das futuras. O que o filme faz é nos dizer que não podemos esquecer tal legado. A força de um filme como este, ou de um livro que testemunha os horrores da Shoah, ou de um quadro como Guernica, está justamente no fato de não ser um discurso da História. O que eles relatam não é um possível acontecimento (e eu não tive a intenção de afirmar isto); o que relatam é um ponto de vista subjetivo de um acontecimento, mas não menos significativo. Há algo mais forte do que um "estive lá", um "eu vi", um "eu vivi"? Não à toa as testemunhas são a principal arma que o Tribunal Penal Internacionacional dispõe para colocar na cadeia aqueles que cometeram crimes contra a humanidade. Daí vem a beleza trágica de um filme como Valsa com Bashir - no meio de uma guerra, às vezes a única saída é dançar. Dançar conforme a música das metralhadoras. Sobreviver a isto é que é o verdadeiro horror. Touché para Folman.

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Imagem: http://blog.uncovering.org/archives/2009/01/valsa_com_bashir.html

terça-feira, 28 de abril de 2009

Valsa com Bashir, o filme

Valsa com Bashir é um daqueles filmes que me explica por que eu gosto tanto da sétima arte! É um filme que incomoda e deleita, que inquieta e encanta. Essa espécie de documentário de animação do iraniano Ari Folman sobre um fato histórico vivenciado por ele é um libelo contra a memória. Não sobre a memória, mas contra; porque o tema é o do inconformismo contra os esquecimentos provocados devido a um fato traumático; no caso, a presença do diretor no massacre ao povo palestino ocorrido no Líbado em 1982. Soldado israelense à época, o que lhe atormenta é não conseguir saber sua real participação no acontecimento. No desenrolar do filme, à medida que o real se aproxima, contraditoriamente, torna-se mais nebuloso. Os depoimentos dos seus amigos que estavam - ou não? - com ele nos dias fatídicos comprovam o que o filósofo Walter Benjamim disse acertadamente sobre a incapacidade de narrar nos tempos de pós-guerra. As narrativas confundem o real e o irreal. Não à toa o estopim da busca da verdade é um sonho, assim como a imagem que persegue o diretor tanto pode ser um sonho como um fato ocorrido, mas que, para ele, se assemelha a um pesadelo. Se existe o real, o acontecido, e isto se comprova historicamente, o problema é que agora só existem os testemunhos. E cada testemunha é atormentada pelos seus próprios fantasmas, possuem os seus próprios buracos negros. Devido a isso, as imagens que vimos a partir dos testemunhos não são da ordem do factual, mas do "estive lá", com toda a carga de subjetividade que isso carrega. O fato de ser um documentário de animação, ao invés de minimizar o incômodo da confissão, reitera a impossibilidade de restabelecer qualquer verdade que não seja calcada na dúvida, na reinterpretação dos fatos. Quando surgem as imagens reais, no mesmo tom azulado-sérpia da animação, é como se despertássemos de uma espécie de pesadelo; mas um pesadelo com trilha sonora e tiros que parecem de festim. Quando o engano se desfaz, o filme acaba. Já é outra realidade.
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Fotos: http://www.interfilmes.com/filme_v4_20887_Valsa.com.Bashir.html#Imagens

domingo, 26 de abril de 2009

ou isto ou aquilo

Minha maior dificuldade? Sem dúvida, estabelecer prioridades. Consequência do fato de desejar por todos os poros. Nunca sei se priorizo as leituras, ou os filmes, ou o tempo com ele. Ou se crio jeito e termino os artigos pela metade que amontoam o chão embaixo da escrivaninha - por falta de gavetas. Ou se tomo vergonha e envio minha tese para editoras antes que ela caduque de vez. E isso tudo rivaliza com a compulsão pela casa limpa. Também nunca sei se guardo dinheiro para uma viagem, para uma super máquina fotográfica, um sofá ou um armário de cozinha. Ou se compro todos os cds e livros que acho que preciso. Agora, o quarto do Poeminha se impôs. A escrita de uma apostila que pagará o quarto, também. E penso que tem sido assim: os prazos mandam em mim. As prioridades se fazem sozinhas. Qual o consolo nisto tudo? Todas as minhas opções são muito prazerosas - ou quase todas.
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isto que sinto agora não tem nome. de tão simples. às vezes, concretiza-se. como hoje. a mesa posta. o sorriso largo.
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sábado, 25 de abril de 2009

a-dios

eu fui uma aluna relapsa. no início, bem mais. e sempre sentei de qualquer jeito. ainda hoje. os alunos fazem graça da dança que minhas pernas protagonizam embaixo da mesa. como aluna, era pior. colocava-os em cima da mesa e abria qualquer livro que me interessasse mais do que as aulas. e ele era um professor discreto, que falava baixo, mas tinha um método que eu como professora gosto muito de aplicar para fugir das cópias de internet. talvez tenha copiado dele. daquele professor com nome de cantor popular. ele nos mandava escrever em sala. e como um professor do ensino fundamental, se gostasse do texto, pedia para que fosse lido em voz alta. foi assim que ele me notou. ou que eu o notei. era o primeiro semestre de Letras. a ordem para que eu lesse meu texto veio acompanhada de uma confissão: ele só acreditava que era eu a autora porque os textos haviam sido feitos em sala. e acrescentou: "como uma aluna que tinha coragem de por os pés em cima da mesa e abrir uma revista na cara do professor, sabia escrever um texto como aquele?" talvez tenha sido aí que eu tenha ganhado confiança. depois a perdi. só muito depois a readquiri. ou nada disso. meu modo de ser não mudou. nem o dele. ele continuou falando baixo e devagar. eu continuei com meus pés sobre a mesa. mas desde então desenvolvemos um código. dois tímidos nos corredores, sorríamos e baixávamos a cabeca quando nos encontrávamos. como se partilhássemos um segredo. ou uma confidência inapropriada e intempestiva. ou uma resposta sempre suspensa. a última vez que nos vimos não foi diferente, embora já fôssemos colegas de profissão. o sorriso que não se sustentava. o respeito mútuo. ontem, soube que ele se foi. cedo demais, como sempre achamos sobre aqueles a quem queremos bem.
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quarta-feira, 22 de abril de 2009

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o sapatinho é um all star.
diz muito sobre a mãe.
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terça-feira, 21 de abril de 2009

em cuiabá, na cidade de 40º

longe de casa. porque alguém me espera, sinto vontade de voltar mais rápido. na cidade de 40º, penso tantas vezes naquele que ficou que ele parece se presentificar. gosto tanto deste momento da minha vida que sinto medo de perdê-lo. sinto uma vontade imensa de não errar. já errei outras vezes. e não me arrependo. já amei e desamei. antes do tempo e depois do tempo. e se não me arrependo dos erros, é porque sem eles não teria chegado até aqui, até a este momento. e se não lamento as perdas, é pela mesma razão. muitas vezes temos que perder para que venha a chance do inesperado. como aquele que ficou e me espera. como este poeminha que agora cresce em mim. hoje comprei os primeiros sapatinhos. meu coração bateu tão forte que achei que ia explodir. muita emoção. estar grávida é muito poderoso. falar disso me enrubesce. todos já sabem o que as grávidas sentem e dizem. e é tudo verdade; esta baita emoção que vem não sei de onde. nunca tive medo do porvir. e agora sinto, mas ao mesmo tempo muito segura com o presente. até as insatisfações deixo que venham sem nenhum disfarce. choro e fico ali até que venha outra emoção menos dolorida. foi assim na sexta depois de mais uma aula frustrante. a sensação que veio depois foi de muita força. fiquei até às 2h da manhã terminando o texto para falar aqui, na cidade de 40º. não apresentei bem porque tenho medo de público. o auditório estava lotado. e quanto mais olho para ele, mais me amedronto. depois, não senti a angústia costumeira. pela primeira vez, encarei como um fato, e não como um fardo. não me culpei. não havia nada que eu pudesse fazer, ao menos conscientemente. eu estava ali, eu tinha um texto na mão que, modéstia às favas, eu achava muito bom, muito perspicaz. eu havia estudado, eu havia lido, eu havia escrito, eu tinha uma opinião muito clara sobre o assunto. e se teve alguém que prestou atenção para além da minha respiração ofegante, decerto deve ter percebido que não é o não-saber que me deixa nervosa. daí a não culpa. achei mesmo que já fui bem pior. e quem pode ir além da sua fronteira invisível? sem resposta, me resta continuar. e é o que vou fazer. agora com mais cuidado. na minha mala, os sapatinhos. e aqui em mim, aquele que me espera e este que fizemos juntos em uma daquelas noites de ternura. e ainda em mim uma louca vontade de dizer àquela moça que me ama e acredita em mim: eu também acredito. e dá uma piscadinha e aquele sorriso maroto que ela reconhece em mim. assim como reconhece o medo que eu tenho que pôr debaixo do tapete para continuar acreditando.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Palavrinhas à toa

Hoje li o post em que Caetano se despede no seu blog. Acho que não disse por aqui. Desde que descobri, leio o blog do Caetano. Ele fazia posts enormes. E tem milhares de seguidores. Eu nunca escrevi por lá. Mas pelo que lia, ele dava atenção a todos. Um incansável polêmico. Amo Caetano. Desde que o descobri. Gosto até mesmo das suas bravatas. Maravilha alguém ter coragem de dizer tantas - e de modo tão firme. Ele tem coerência nas suas incoerências. Muito mais interessante do que quem só tem coerência.

Eu leio muita porcaria na internet. Algumas pessoas ficam surpresas quando descobrem. Ou quando eu conto. Leio o blog da Luana Piovani há anos. Não indico porque não presta. Mas leio. E fuço os blogs das estrelas, o tal do bloglog (não à toa falei sobre eles na apresentação da minha tese), embora só leia o do Pedro Neschling, Washington Olivetto e às vezes o do Boni, quando ele escreve sobre viagens. São os únicos passíveis de leitura. Os outros são umas tontices sem fim, sem contar no constante assassinato à gramatica! Tem os humoristas. A minha sobrinha diz que são legais, mas eu não gosto muito de humor. Só quando estou vendo - esta é outra das minhas maluquices.

Halem (que anda bem falado por aqui!) comentava dias desses sobre os blogs afetadinhos. Não foi esta a palavra que ele usou. Mas é por aí. Realmente tem muitos. E se justifica. Todo mundo quer ser sabido. Acho justo. Melhor do que querer ser néscio. Sei que ele não falava sobre meu blog, mas eu expando os pensamentos via umbigo e me vejo perguntando se sou "afetadinha". Acho que sou. Mas não tento falsear. Assim espero. Sou curiosa. Sendo assim, eu sei um pouco sobre um bocado de coisa. Mas não tenho memória. Esqueço a outra metade. Se um casal de amigos chega com um filme embaixo do braço e eu acho que é ruim, eu cometo a indelicadeza de dizer. Se tiver naqueles dias muito sem noção, acrescento que não gosto da ideia de perder tempo. E os faço assistir a um filme de Wong Kar Wai que o amigo acaba por confessar que, para ele, não é sequer suportável. Eu me faço de sonsa e vemos o filme até ao final. Ainda bem que depois tem pizza.

Mas eu não poso de intelectual. Talvez de esforçada. Escrevo sobre o que me interessa. E procuro viver com o que me interessa. Só quem me interessa, eu já dizia há um tempo neste mesmo espaço. Não vejo novela há anos. Sequer tenho o canal da Globo aqui em casa. Na minha outra casa, tinha. E eu encrencava com minha amiga porque ela via. Agora ela me diz que não ver mais. Cansou. Mas às vezes eu via as do Manoel Carlos, que são melodramas para lá de óbvios. Mas justifico dizendo que ao menos têm coerência. Melhor que as de Gloria Perez que sempre me pareceram uma coisa terrificante. A última vez que vi qualquer coisa desta autora foi logo depois que a filha dela morreu. E ela fez umas cenas em que Cristiana Oliveira era torturada em um porão... ou qualquer coisa assim. Passei a achar que ela era meio louca. Mantive-me à distância. Também nunca vi um Big brother. Tentei ver um para tentar entender a razão de todo mundo ver. Mas, sem pose, não consegui. Não sei exatamente as razões do meu afastamento da programação da TV. Eu adoro filmes, mas nenhum programa, por melhor que seja, me pega mais.

Porém, como eu ia dizendo, gosto de muita porcaria na internet. Isso não é bom nem ruim. Talvez mais para ruim, se pensar no fator tempo. E acho que estou contando isso aqui para não ficar com cara de "afetadinha" demais. Estas, geramente, são pessoas chatas. Às vezes, eu sou chata, mas o que gosto mesmo é de ser vista como uma pessoa bacana. Quer dizer, antes eu queria ser bacana para todo o mundo. Agora, desencanei. Só para os que me interessam. Será a tão falada maturidade? Ou mais um aspecto "afetadinho? Enfim, difícil saber o exato de todas estas questões, mas bem excitante pensar sobre elas.
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sexta-feira, 10 de abril de 2009

Reflexões para nada

Halem, ao comentar que o mundo das artes está muito distante da maioria das pessoas, me fez lembrar da minha reação ao ver a exposição de Farnese de Andrade, no CCBB-SP. De tão impressionada com o que vi, veio-me uma revolta por nunca ter ouvido falar de Farnese. Eu perguntava: "como temos um artista brasileiro como este e ele é praticamente desconhecido?". Infelizmente, este desconhecimento não diz respeito apenas às artes plásticas. Eu e Mari sempre comentávamos, observando nossos amigos e conhecidos de doutorado, que a Universidade gerava conhecimentos específicos, mas não gerava apreciadores de cultura letrada. Ou gerava muito pouco. Em cursos como os de Linguística e de Literatura, parecia-nos surpreendente que houvesse tão poucas pessoas interessadas no caldo cultural que estas áreas parecem trazer na sua essência. Concluíamos que isto é resultado da nossa educação, sempre tão tacanha em relação a tudo isso. Professores não podem nos dar o que eles não carregam consigo: o apreço por uma boa música, um bom filme, um bom livro. Uma boa parte é consumidor apenas de novelas e de livros de autoajuda. Não que isto seja errado, mas é muito pouco diante do que temos diante de nós quando nos interessamos por outras "inutilidades", como costumo chamar ironicamente.
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Com os hormônios de grávida a todo vapor, dias desses, em uma das minhas aulas, tive um rompante de ira. Uma ira controlada 24 horas atrás das palavras certas para expressá-la. Só quem dá as literaturas iniciais em um curso de Letras, numa cidade com uma monocultura como a que trabalho em que não há nada além do que o interesse pela música brega, pode saber o quão é difícil chamar a atenção dos alunos. Para mostrar-lhes que Chico é "trovador moderno", que sua música deve muito à cultura portuguesa, levei um DVD com ele andando pelas ruas de Lisboa e falando sobre a relação literatura-música. Enquanto o DVD rolava, era nítido o desinteresse da maioria dos alunos. Foi a gota d'água. Que não prestem atenção nas minhas aulas falando de poesia trovadoresca, vá lá, é até compreensível! Mas que não tenham apreço por uma belezura assim (nem que seja pelos olhos do Chico!!!) me pareceu incompreensível. Os hormônios encontraram a seguinte saída: disse-lhes que a partir daquele dia eles tinham presença garantida nas minhas aulas para me evitarem o dissabor de ter que presenciar tanto desinteresse. Acrescentei também que não tinha problema com quem não sabia, mas que tinha enorme problema com quem não queria saber, pois eu não sabia muita coisa, mas sentia enorme vontade de saber; que mesmo em uma cidade com tão poucas atividades culturais, eu estava sempre procurando o que fazer, senão eu começava a me sentir uma ameba - ou pior, uma vaca pastando. A "ameba" e a "vaca", embora possam parecer palavras advindas dos hormônios, não o são. Eu sempre pensei que é para fugir da mesmice que nascemos gente. Senão poderíamos ser ameba, vaca, um bicho qualquer, que, a nossos olhos, fazem sempre o mesmo.
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No entanto, depois de todo desabafo, sempre procuramos apaziguar nossa decepção em relação a nós mesmas - que não conseguimos incentivar de maneira eficaz - e em relação ao outro, que está cagando e andando para esta tal educação humanista que insistimos em acreditar que vale para algo. E me vem a certeza de que este despreparo todo que o aluno leva para o ensino superior não é culpa deles. Voilá! Falemos em "sistema", mas não como algo abstrato, mas como algo pulsante que reproduz incompetências em todos os âmbitos. Ou alguém acredita que estes alunos, daqui a 2, 3 anos estarão preparados para irem à sala de aula ensinarem língua portuguesa e literatura as nossas crianças? E a crianças de amanhã? este círculo vicioso é o que me espanta e me choca. Quem escapa dele?
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quinta-feira, 9 de abril de 2009

momentos antes

rituais. alguém escapa deles? me preparo para escrever sobre o que não gosto. busco uma linguagem para o que não gosto, mas a certeza de que os futuros leitores também não gostam nem gostarão me atrapalha. talvez um dia deem de cara com saramago, cardoso pires, antonio lobo antunes, se tiverem sorte. para me consolar, lembro que vou ganhar uma boa grana. o que parece ser uma boa grana. penso no quarto do bebê. aquele, como tenho imaginado. talvez assim a escrita flua. ser um prostituta eventual das letras tem lá seu charme. alguém pagando pela minha escrita não soa tão mal. miles davis para acalmar. a arrumação da casa não serviu desta vez. só para sentir falta do que falta. sinto falta da coca-cola. de um armário de cozinha, de um sofá. talvez seja apenas a tarde quente. muito quente. vai chover, é quase certo. talvez um chá. ou esperar a chuva cair. ou simplesmente começar a escrever. talvez começar assim: "talvez vocês estejam se perguntando o por que de estudar literatura portuguesa clássica e medieval. eu mesma me pergunto para que ensinar. uma boa resposta talvez seja que a literatura é um moto contínuo; quanto mais entendemos seu passado, melhor lemos o seu presente". seguir por esta linha, tentando manter a relação com o presente. que se foda quem vai ter que dar aula a partir do que eu escrever. pior seria se fossem os alunos a se foderem. sim, vou começar. tirar os "talvezes". lembrar de colocar as maiúsculas. e misturar as cantigas trovadorescas com as canções do Chico; as crônicas de Fernão Lopes com as de Nelson Rodrigues; Camões com Drummond, Caetano e Haroldo de Campos - fazer a máquina do mundo girar. e dar um pontapé nesta ementa. um pontapé de leve. quando eu achar que estou exagerando, retroceder um pouco. mas manter a linguagem viva. sim. manter a linguagem viva. lembrar de Barthes escrevendo sobre Racine, Loyola, tão ou mais apaixonado pelo passado quanto pelo presente.
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sexta-feira, 3 de abril de 2009

Meu amor pelas artes plásticas

Enquanto zapeávavamos países da Europa pelo mapa do Google, sonhando com o dia em que faremos uma viagem a três (sonho talvez nem tão distante), eu dizia ao Ney que quando moramos em Paris, nem que seja por um curto período, como é o meu caso que passei um ano, mudamos a nossa relação com a arte. Acho que chegamos a este assunto por que eu tentava diminuir minha culpa por ter comprado alguns livros de arte quando tinha jurado que não compraria nenhum livro até pagar todos os que já comprei nos últimos meses. Não sei se essa mudança ocorre com todos. Mas posso afirmar que ocorreu comigo.
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Antes, eu não era totalmente alheia às exposições que ocorria em São Paulo. Lembro de uma manhã inteira perdida nas ladeiras da Vila Madalena para ver uma exposição do fotógrafo Robert Mapplethorpe ou do meu assombro ao ir ao Masp pela primeira vez, onde já voltei inúmeras vezes. Mas foi em Paris, e em cidades da Europa, onde realmente criei o gosto de apreciar obras de arte. Eu quase me arrisco a dizer que passei mais tempo em museus do que em bibliotecas, que por força da minha pesquisa era onde eu deveria estar. Visitei quase todos os museus de Paris, alguns mais de uma vez, além de muitas galerias e inúmeras exposições temporárias. Sem contar o Pompidou, que era minha "sala de estudo". Quando me cansava de pesquisar, ia dar uma volta nas exposições. E em todas as cidades que visitei, os museus eram prioridade. Fui a Madri, sem ter mais um tostão no bolso, apenas porque descobri que era lá que tinha a coleção mais completa de Bosch. E chorei diante do
Jardim das delícias e também diante de Guernica, de Picasso. Outra emoção indefinível foi ver os inúmeros quadros de El Greco em vários lugares de Toledo. E tendo ido a L'Orangerie, em Paris, para ver os nenúfares de Monet, como todos fazem, eu saí impactada de fato pelos quadros de Cézanne e sobretudo pelos de Soutine, de quem eu nunca tinha ouvido falar. Em Londres, viajando com dois artistas plásticos, praticamente não vi a cidade. Foi um entrar e sair de museus. A Tate Gallery me pareceu feia por fora, mas o que há dentro dela vale a volta a Londres muitas vezes. Aliás, visitar museus com a Adriane, uma dessas artistas, eram momentos de rara beleza. Lembro de um dia estarmos em Estraburgo e eu e Mari fazermos um comentário sobre uma obra que, basicamente, era uma espécie de varal onde se encontravam pendurados panos de tons beges. Mari falava da dificuldade de ver beleza naquele tipo de arte. A explicação simples da Adri, ao nos mostrar que a dificuldade residia no fato de a imagem ser um objeto, e não uma pintura emoldurada em um quadro, mas que havia ali seleção de objetos, volume, leveza, nuances nos tons em bege tal e qual em uma pintura, me deixou fascinada. Para mim, que intuitivamente sempre gostei mais de arte contemporânea, foi uma espécie de revelação. Foi apenas em Roma, muito mais do que no Museu do Louvre, que sempre me causava uma espécie de saturação, que me senti próxima da pintura clássica. Lá fui a museus, igrejas, galerias, às vezes, apenas para ver uma pintura. Foi lá que tive a sensação de estar em uma cidade muito antiga. Sem a política de restauração e preservação de Paris, sem a sua riqueza ostentatória, Roma pareceu-me por inteira uma imensa obra de arte corroída pelo tempo.

Entre as muitas caixas de livros que enviei ao Brasil, boa parte delas continha livros de arte (lá muito mais barato do que aqui). E o certo é que eles não viraram peças de decoração. Tem sempre algum que estou lendo; e os leio com o mesmo prazer com que leio um livro de literatura. Daí por que, desde que voltei a trabalhar, tenho aproveitado todas as promoções dos livros de arte da Cosacnaify. Tem chegado aqui cada preciosidade!
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Eu não tenho nenhuma pretensão de entender de arte; tenho dificuldade em memorizar os movimentos, que para mim são incontáveis, daí talvez porque eu pense mais em artistas. Gosto de muitos. Evidentemente, por não ter um conhecimento profundo, assim como ocorre com o jazz, eu acabe conhecendo aqueles que têm um nome mais reconhecido. Porém, nesta miscelânea, eu já consigo identificar muitas das razões por que gosto mais de alguns artistas do que de outros. Tenho, por exemplo, fascínio por Francis Bacon, que não conhecia antes de conhecer a Adri. Assim como mantenho intacto meu amor por Schiele, Bosch, Gauguin e Modigliani, que vem muito antes do meu amor pelas artes plásticas. Gosto demais de Robert Rauschemberg, Louise Bourgeois e Cindy Scherman, que também vi em exposições em Paris. E gosto de Farnese de Andrade, Ernesto Neto, Leonilson e Cyane Pacheco. Exceção, talvez, de Gauguin e Modigliani, todos estes artistas têm algo de grotesco nas suas obras. Possuem algo de perverso, de doloroso, de abjeto.
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Sim, definitivamente, meu olho se emociona diante de tanta beleza - seja estranha ou não. E , na verdade, não sinto culpa alguma ao ler um livro como o que leio agora: "Reflex: Vik Muniz de A a Z". E só o leio agora porque ainda sou do tipo daquelas gentes que têm coragem de gastar seu dinheirinho suado com estas inutilidades que servem apenas para isto: emocionar.
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Foto: Eu nos quartos de Rafael, no Museu do Vaticano, by Mari.