sábado, 10 de outubro de 2009

Imagens, de Bergman

Há uma cena terrível em Fanny e Alexander, de Ingmar Bergman. Uma cena de castigo físico. O padrasto pune com uma vara o pequeno Alexander, que tenta manter a dignidade. Este filme, aliás, é terrível, embora o final seja redentor. Bergman é medonho em todos os seus filmes. Não dá para sair ileso de nenhum deles - as dores das almas dão fisgadas constantes. Nossas culpas, até as que julgamos inexistentes, dão o bote na calada da noite.

No entanto, medonho mesmo é constatar no livro Imagens, uma espécie de memórias cinematográficas deste cineasta sueco, que esta cena fazia parte do seu banquete familiar. Bergman é daqueles artistas que não deixa a menor dúvida de que seus filmes saem das suas entranhas, que os fantasmas que aparecem neles, por mais pavorosos que sejam, são seus próprios fantasmas. Daí ser tão difícil ler este livro, embora eu o leia agora com imenso prazer, nos espaços de sono do Poeminha, enquanto observo a movimentação das minhas irmãs que vieram ficar comigo nestes primeiros dias de nascimento.

Tem algo de terrível neste homem que impingia a si - e também aos que conviviam com ele - tanta dor ao mesmo tempo que transfigurava tudo na arte. Não vejo nele separação entre dor física e psicológica, tamanha a naturalidade com que convive com as duas. É mais do que naturalidade. É uma forma de fúria - a mesma que fez dele um dos maiores cineastas de todos os tempos.

O que mais me comove é a impressão de que, por mais terrível que seja uma cena de Bergman, ela é mais terrível para ele do que para seu espectador. É o caso da cena da vara. No filme, é o padrastro que a aplica, então podemos transferir toda nossa raiva para esta figura, imaginar que ele é capaz de imprimir castigo tão cruel porque é um padrasto. Mas para Bergman não havia essa mediação, que ele oferece ao espectador como se dissesse que sabe que sem ela a dor seria muito maior.
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1 Palavrinhas:

Ana disse...

Viva Bernardo! Viva Milena e Tatupai! Tin Tin! Um brinde solar à nobre família!
Da amiga virtual Ana

PS: A beleza que vc vê sempre por lá, (diretoparaoaltar) reside no cerne do seu ser, querida Milena.