terça-feira, 27 de outubro de 2009

mutum


Mutum no dia do aniversário, depois que os amigos se foram, entre uma mamada e outra. e no silêncio, lágrima rolou. mutum dentro de mim. um sertão. ali, a infância perdida. aquela tristeza. aquele mundo adulto aniquilando o mundo criança. aquele choro sentido, muitas vezes. tantas vezes que foi preciso esquecer toda a infância. se houve felicidade, algum dia, não há como saber. as memórias são todas memórias tristes. como quase todas as memórias. o sertão. a paisagem, de cócoras no parapeito da cozinha. as roupas voando no varal. a louça suja nas tábuas velhas servindo de pia. a água caía no chão e respingava nos pés cheios de frieira. as paredes de tijolos descobertos. e muita, muita areia. por toda parte. sapos na boca da noite. pular entre um e outro. brincar escondida, que ninguém soubesse. os olhos arregalados. os olhos bem apertados fingindo dormir enquanto ouvia a mãe bem tarde da noite. só bem tarde da noite. areia quente meio dia e meia na hora de voltar da escola. estômago que nunca parava de roncar. o desejo de que sobrasse um ovo ao menos uma vez. uma única vez e já teria sido o bastante. cadê a vida, ela existe, deus? deus era um ser cruel que matava os cachorros aos poucos sem que nada pudesse ser feito. deus abandonava a menina magrela e amarela fraca das pernas. deus na terra do sol só existia por teimosia. mutum era um mundo e também um estado.



o certo é que nunca se parte de vez de mutum. embora a única chance de se salvar seja ir embora. seja emudecer. até que ele volta sem avisar.

mutum é o filme de sandra kogut. aqui, são minhas memórias. as fotos são da minha última viagem à cidade da infância.
Categories:

0 Palavrinhas: