terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Sobre os amigos ou "o que desejo"


Eu queria fazer um texto bem especial para o fim do ano. Mas nada me vem. Eu poderia falar da leitura de Maus. Ou do cd do Otto, que amei. Ou do Soda acústica, que ouço e me orgulho como se fosse parte de mim. E nada. Fica tudo aqui. Então eu lembrei que não escrevi realmente sobre o SILIC, simpósio de literatura contemporânea que organizamos. E de como foi maravilhoso ter hospedado meus amigos Binho, Márcio e Mettal, que foram convidados para o simpósio. O SILIC foi arquitetado amorosamente pelo grupo de pesquisa. Não tivemos financiamento institucional. Um ficou no sofá, outro na rede e outro no colchão de casal que era do Tatupai antes de encontrar a Tatumãe. O que só se faz com os amigos, bem poderia ser o título. Acho que para todos foi uma grande festa, tanto que ou por necessidade ou por vontade todos deram uma "esticadinha"depois do simpósio. Poeminha ainda estava na barriga, mas foi muito paparicado. Memórias. Depois que eles se foram, foi um baque - amortecido pela chegada do Poeminha e pela vinda da minha família. Quando o apê ficou de novo vazio, e eu e Poeminha ficamos por aqui, bateu forte a solidão. E haja relembrar. Isso tudo porque Márcio, Mettal e Binho são amigos maravilhosos. Eu passaria toda a vida conversando com eles. Como é bom! Conta, sim, eles serem muito sabidos. Eu sei levar bem as conversas corriqueiras, mas, ao pensar nos "meninos", me vem a certeza de que, nestas conversas, há um certo "fingimento social", pois o que eu gosto mesmo é de partilhar saberes, sobretudo quando não há nenhum pedantismo. Quando tudo flui naturalmente. Fala-se de coisas interessantes porque vive-se de forma interessante. Nada de assuntos institucionais. Os meninos vivem no corpo os seus interesses. Não leem ou estudam ou ouvem música ou veem filmes por obrigação. Não há pose. Só entrega. E eu sinto falta disso. Sinto falta deles. E de mais um tanto de gente que conheço. Eu brinco: "será que meu filho vai gostar de coisas ou vai gostar de não gostar?". Sinceramente, eu espero que ele escolha a primeira opção. Viver como um lesma, sem gostar de gostar, é um pouco como estar morto. Tem muita gente morta por aí e não sabe.
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Então é isto que eu quero desejar a minha meia dúzia de leitores: que gostem de gostar. Que aprendam a reinventar o seu dia a dia. Eu também quero aprender muito mais. Meta? Mergulhar ainda mais no meu paraíso artificial. Tenho ensaiado. E tem sido bom. É isto. A todos, um grande mergulho em si mesmos. Nem todo dia o céu é azul. E nestes dias, só o paraíso artificial nos salva.
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Tenho vontade de sair pelo mundo. E às vezes cantarolo baixinho com algum espanto e algum medo: "será que eu vou virar bolor?". Sempre muitas perguntas no fim do ano, mesmo que se preencha todo o tempo. Deve ser por isso. Preencher tudo para que não sobre nenhuma pergunta. Eu gosto de perguntar. Mas às vezes, muito medo de responder. Sou muito lúcida. Sou. E por sê-lo, por vezes fujo. Viver no exílio é sempre uma forma de vivenciar a dor. E eu me sinto no exílio. Embora me sinta em casa. Contradições de que a vida é feita. Ano 10 depois do fim do mundo. Tempo tempo tempo. Ano lindo, este que está passando. Um pedaço de mim foi gerado, cresceu, saiu para o mundo e agora está aqui por inteiro. Não tem nada igual. Procuro alguma foto no hd para dizer que ainda assim algumas vezes sou só eu. Eu na minha cabeça. com minhas vontades meus desejos minhas frustrações. Mas não tenho nenhuma foto sozinha no último ano. E isso me assusta um pouco. Um bocado. Então me sobra uma foto do palhaço do cirque de soleil - um momento todo meu. Mais não digo. Divã online pede sutileza. Elegância não faz mal. E por falar em elegância, hoje eu estava no supermercado, uma gripe de dá dó, e vejo uma moça elegantíssima. Nada fora do lugar. E antes que eu sentisse inveja, ou motivada pela inveja, um pensamento me cai como um raio: "que tipo de gente se produz assim para vir ao supermercado? é o cúmulo da deselengância". Ponto de vista. Gostar de cara lavada e sandália havaiana dá nisso. Então tá. Estou lendo Ulisses. Há três dias, acordei decidida a ir até ao fim desta vez. Por que? cansei de ir de um livro a outro. Exceto Maus, nenhum de fato realmente me arrebatou. Um ou outro me encantou, me divertiu, fez passar o tempo, mas... sempre o mas. Acho que é hora de. Estou em busca, eis. Ainda sou aquela menina.
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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

para o filho


Poeminha, seu pai sempre dança com você. e sempre dança para mim. você vai ver: dou muitas risadas nestes momentos. ele e sua cara de menino maroto dançando pela casa, olho no olho esperando a minha reação. também dançamos juntos, eu e ele.

e não há um só dia em que eu não faça o mesmo com você. eu e você agarradinhos. já cantar, não dá. tudo que consigo fazer é uns "humhumhum". não tenho voz. não tenho ritmo. mas lhe embalo como quem sabe. aproveito agora que você não percebe que não sei.

talvez você já perceba que nunca falta música aqui em casa. eu coloco várias pensando em você. dizem que música clássica é bom para afinar seu ouvido. por isso, temos ouvido muito. chopin schubert mahler nelson freire. e também muito jazz. mas também escutamos "todo tipo". eu gosto muito de vozes femininas. seu pai gosta muito de chico buarque. desde a barriga que ele coloca para você ouvi-lo. e agora estamos ouvindo o novo cd do otto. na primeira vez, ele tocou inteirinho com nós dois na rede. muito, muito bom. ora você arregalava o olho, ora resmungava, ora chupava a mão, e já no finzinho se espreguiçou todo como quem diz "já chega".

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coleções


O colecionador é um escravo. É como alguém num deserto: sempre sedento. Nunca se satisfaz com o que tem; o olhar está sempre no que, aparentemente ao seu alcance, ainda não lhe pertence. O "ainda não" é o copo de água do colecionador. É o que lhe impulsiona.


Sempre me espantam os números dos colecionadores. Ed Motta disse numa entrevista que tem mil garrafas de vinho. Um amigo meu tem uns três mil vinis. Outro, uns cinco mil livros. Eu tenho mais de mil cds. Quantos livros, não sei. Não conto. Só sei dos cds por causa da estante. Tenho vários amigos que ultrapassam a casa do milésimo em relação aos seus gostos musicais e livrescos. O número mil parece ser um número fetiche. É excessivamente tentador para um colecionador.

Quanto a mim, considero que só tenho uma coleção: a de corujas, que anda meio combalida e está muito longe de alcançar este número. Falta muita água para matar minha sede. E acho que sempre faltará.
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para o filho


Poeminha, você é como a sua mãe. dorme bem tarde da noite. e durante a manhã. tem dias que só acorda meio-dia. então, quando você crescer, se continuar a ter insônia, vou lhe dar um conselho: goste da noite. é preciso gostar daquilo que lhe chega como um espanto - e de modo irreversível. não se torture tentando dormir. quando eu comecei a ter insônia passava horas de olhos arregalados no escuro. hoje passo muitas horas de olhos arregalados, mas nunca mais no escuro. você vai perceber logo: olhos servem para ver o mundo. e a noite é um mundo todo.

pode ser em uma destas noites que você leia o livro da sua vida, ouça uma música que nunca vai esquecer, beba seu primeiro porre, passe a noite inteira conversando com um amigo ou com um amor que você nunca mais vai amar como naquela noite. ou talvez seja em uma noite assim que você veja um filme do bergman e lamente que ele não esteja mais vivo para continuar fazendo pérolas de beleza e dor.

Pode ser também que em uma dessas noites você nine seu filho para que ele aprenda a dormir um pouco mais cedo do que você.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Faça você mesma


Eu não sou muito adepta do "faça você mesma". Falta-me criatividade e paciência para o manuseio da "coisa". Além de sempre achar tudo meio tosco. No entanto, em tempo de grana parca, com papéis se espalhando pela casa toda, "fiz eu mesma" esta estante com caixotes de supermercados e pedaços de madeira. Estes me acompanham há um tempão, desde a morada em Rio Preto. A versão anterior da estante era com tijolo, mas era muito, muito tosca. Feria demais meu senso estético. Cheguei nesta, enfim! É ainda tosca, mas me parece mais bacana. Continuo imaginando algum móvel bonito neste lugar, mas agora dá para esperar. Afinal, meu mantra para consumir menos tem sido "PRECISO ir bem ali mostrar o mundo aos meus dois homens".
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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O livro amarelo do terminal, de vanessa barbara

"o livro amarelo do terminal", de vanessa barbara, é bárbaro (hehe! como resistir a este trocadilho infame!? só se eu escrevesse tão bem quanto ela!). eu já sabia disso antes de darem a ela o Prêmio Jabuti 2009 de jornalismo. em 2003, vanessa perambulou pelo tietê para escrever a reportagem de conclusão do seu curso de jornalismo. e deu no que deu: um livro delicioso. dizem que é reportagem. eu acho que é crônica, daquelas de dar água na boca. e uma pontinha de inveja: "por que não fui eu a escrever isto?". a primeira frase já me pegou de jeito: "A rodoviária do tietê é uma cidade de coisas perdidas". eu já disse aqui que gosto de definições. e esta é inusitada. e é assim, de inusitado em inusitado que ela vai tecendo a vida dos que passam e dos que vivem na rodoviária do tietê. esta é uma boa sacada: há uma multidão que por lá passa, mas que por lá também vive, mesmo que temporariamente: os vendedores, os balconistas, os vigilantes etcetcetcetcetcetc. e ela fala com toda esta gente. e nos conta histórias deliciosas sobre eles. as páginas são irritantemente amarelas e azuis. o projeto gráfico bem que podia ser menos exagerado. mas isso é o de menos. importante é que o leitor se diverte e aprende. muitas historinhas de bastidores. tem espaço pra tudo: até pra desancar seus colegas de jornalismo, em uma seção intitulada "a imprensa". nela, finalmente entendi porque todas as reportagens parecem iguais. porque são mesmo. um "gerador automático de reportagens" dá conta de dar todas as informações do movimento do Tietê em épocas de ( ) carnaval, ( ) páscoa, ( ) natal. todas as informações, vírgula. é esta diferença que faz o livro de vanessa. ela foi atrás do que ninguém vê. e a partir daí disse de um jeito que ninguém diz. deve ter aprendido com os grandes que a matéria de toda boa história - seja jornalismo, seja ficção - é o humano.

para o filho

"Poeminha, quase todos os dias vamos à casa da sua bisa. a sua avó, que mora longe, também está aqui. tem também a tia. três mulheres que ficam enlouquecidas quando lhe veem. disputam cada um dos seus sorrisos. é bonito de ver. mas bonito mesmo é ver a cara de felicidade do seu pai. ele nem precisa ser expansivo - sim, sim, você vai ver que ele tem um sorriso tímido - para que eu perceba todo o amor que ele sente por elas. por nós".
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tarde saudade

em uma tarde como esta, chuvosa, com o filho dormindo na rede, sinto saudade de muitas coisas e muitas pessoas. "A saudade/ é brigitte bardot/ acenando com a mão/num filme muito antigo".
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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Cabelo liso

O mundo quer cabelo liso. Eu que tenho poucas melengas lisas sempre achei muito estranho. Tanta mulher linda estragando o seu cabelo lindo... Até quem tem cabelo liso, quer mais liso ainda, aí fica todo mundo igual com cara de quem acabou de sair do cabeleireiro. Sem querer, perde-se a noção da diferença. Mas isto não é de agora. Que o diga Sarará miolo, do Gilberto Gil, que é boa para dançar e para pensar.

Sara, sara, sara, sarará
Sara, sara, sara, sarará
Sarará miolo

Sara, sara, sara cura
Dessa doença de branco
Sara, sara, sara cura
Dessa doença de branco
De querer cabelo liso
Já tendo cabelo louro
Cabelo duro é preciso
Que é para ser você, crioulo
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acordinho

Acho que vou fazer um acordo comigo: a cada vez que ler um livro, terei direito a outro. O que pode à primeira vista parecer uma grande vantagem é na verdade uma forma de punição. Sempre compro mais livros do que dou conta de ler. O tempo é tirano.
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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O melhor açúcar do mundo


Um filho vem e ensina a cada dia uma coisa. Registro isto para não esquecer. Tenho sentido vontade de escrever mais sobre o Poeminha. Explico: este blog existe porque não tenho boa memória. Esqueço muito facilmente tudo que me acontece, seja uma leitura, um filme, um acontecimento. Uma psicóloga que à época me parecia muito incompetente me falou uma vez que minha memória só lembrava do que tinha acontecido de ruim. Por via das dúvidas, resolvi me prevenir. O blog, desde a sua primeira versão, que sumiu no buraco da net, foi feito para funcionar como uma espécie de memória artificial: eu não queria esquecer os anos de doutorado.

Durante a gravidez, escrevi muito pouco sobre o fato em si. Sobre o que sentia, o que pensava, o que fazia por causa deste acontecimento. Pudor. Não queria dizer o que toda mãe diz: tudo açucarado demais para o meu paladar que passou a gostar de doce de leite apenas durante a gravidez (talvez porque gostava na adolescência e havia esquecido). Nem biscoito recheado eu engulo. Nem chocolate.

Mas nestes dias me veio um susto. Eu trocava a fralda do Poeminha e constatava mais uma vez que é nesta hora que ele, aos dois meses, mais emite ruídos (solta gritinhos, gemidos, de modo alegre e concentrado). Parece que quer conversar. E o que dizer das caras engraçadas que faz logo depois que mama? Acomodando o leite, preparando-se para "arrotar", ele se espreme, geme, se espreguiça, faz biquinho... E que delícia é isto, que alegria infinda observar tudo que ele faz. O susto: e se eu não lembrar depois, se for para o sumidouro da memória, onde está a maioria de tudo que vivi e não registrei? E se eu não tiver nada para lhe contar deste tempo? Ou pior: e se ele ler, um dia, este blog e perceber que eu escrevi muito pouco sobre ele? Eu que já morro de medo de que ele cresça tendo a sensação de que eu lhe abandono por causa dos livros e dos filmes?

Como minha meia dúzia de leitores já está acostumada à mistureba que é este blog, fica então o aviso: vez em quando, vai ter conteúdo açucarado - o melhor açúcar do mundo. Isso me traz uma certeza: a escrita, qualquer que seja ela, é antes para si do que para o outro. Porque ninguém mais se deleita e/ou se tortura com o que escreveu do que o autor. E nada neste meu momento é mais importante do que cuidar do meu filho, aprendendo com ele como se nasce, como se cresce, afinal eu não lembro de como nasci, como cresci. Fico pensando que observar o filho é também uma forma de se observar, de se ver em um tempo em que isto ainda não é possível. Que eu seja então fiel ao meu princípio, que este blog continue sendo o que procurava ser: "Sem análise nem crítica. Somente aquilo que advém de Barthes: humores. O jogo estéril do gosto/ não gosto. "Para guardar". "A regra = oferecer o íntimo, não o privado".
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