sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A oficina de Brennand

Sou um senhor feudal supersticioso e pornográfico. Brennand

Um lugar que nunca deixo de ir quando vou a Recife é a Oficina de Brennand. Eu vou, e topo com ele. E levo todo mundo comigo. Brennand me fascina. Mas o seu lugar me fascina bem mais. Já vi exposição dele em Belo Horizonte e em São Paulo, e gostei, claro, mas o deslocamento diminui um pouco o impacto. O que se vê em sua Oficina, a céu aberto, é o resultado de um lento e obstinado trabalho. E o que eu gosto é da obsessão, como se ele não pudesse parar de multiplicar suas esculturas. O prazer muito a ver com a loucura. Fetiche. Quando vejo um objeto fálico nas mãos de Louise Bourgeois, vem à mente questões de gênero. O cérebro pensa. Diante dos inúmeros objetos fálicos de Brennand, o pulsa pulsa. Não é exatamente uma pulsão sexual. É um pouco como assistir a um filme de Pasoliniou ler um livro do Genet. Lutar a favor do desejo, morrer por ele, se preciso for. Ao invés de turistas bem comportados como nós, os corpos deveriam estar nus, libertos das cercanias da moral. Um mundo anterior à ordem, é o que vejo. Um mundo artístico, por falta de outra palavra. É um artifício. Existe ali e em nenhum outro lugar. Por isso, vale voltar sempre. 
















quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Natal

Poeminha transitou tranquilo no meio de tantos presentes. Só uma vez chorou por um que não era dele. O aprendizado da partilha. Agarrou mesmo foi o que lhe alimenta, despojado de pertences. Quando a vontade de dormir bateu, tocou meu rosto, como quem diz. 










Um dengo do Ernesto Neto

Se eu pudesse, eu iria. E levaria Poeminha para brincar neste playground. Iria mesmo. Gosto demais da palavra dengo. E gosto demais de Ernesto Neto, desde que vi sua instalação no panthéon, em Paris. Quem diria que seus monstros gosmentos, quase líquidos, suas estalactites que tanto me assombraram, poderiam virar este mundo colorido de fantasia? Um artista sabe dizer: eis um mundo reconhecível, mas ainda novo. Quem puder ir, vai lá. O lá é no MAM de São Paulo.



As fotos são da Camila. Em tempo: o blog desta moça é tudo de bom. Fico vendo e querendo viajar com ela, ver com ela.
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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O mau vidraceiro de Nuno Ramos

Nuno Ramos não deve caber dentro de si. Seus peixes metalizados agonizam faça chuva ou faça sol no Ibirapuera para não deixarem dúvidas da veracidade da sua inquietação. É um artista que sapateia sobre as várias formas da linguagem. Em busca de transbordá-las. Ou jogá-las fora quando parece usar todas ao mesmo tempo. Artista plástico, escritor, pintor, matreiro, urubuzento, é assim ele. Talvez por isso, por esta prévia imagem, eu tenha insistido tanto sobre o seu livro, O mau vidraceiro. E no entanto, foi difícil, foi sofrido. Eu lia e desejava acabar logo com o que parecia nunca acabar. Na maior parte do tempo, não fui capaz de alcançar a proposta, de entendê-la, de amá-la. Não encontrei um fio onde me sustentar e,  por isso, vacilei. No jogo impiedoso do gosto-não gosto, fiquei com a segunda opção, embora tanta palavra bonita tenha ali, reconheço. É que fiquei com a impressão de que a escrita de Nuno Ramos oscila neste livro entre o sublime e a bobagem. E que a indefinição dos gêneros  - microcontros, contos, ensaios, rascunhos (?) -, para além do caráter experimental, contribua muito mais para a bobagem do que para o sublime. Se fosse de outro jeito, se o experimental não fosse tão forçosamente avesso à narrativa propriamente dita, talvez fosse outra coisa, ainda melhor. Porém, no momento mesmo em que escrevo, me assalta a dúvida: e se meu alcance de leitora foi tão mínimo que me amarrou, incapacitando-me de ver a tanta beleza que parece haver ali? Vou deixar esta pergunta em suspenso, para respondê-la quando me demorar sobre o seu próximo livro, que já comprei, Ó.

E se eu tivesse amado o livro, se ele não tivesse me rejeitado, diria que a insistência sobre o corpo, sobre a materialidade, faz deste livro um objeto inquietante. Fiquei pensando o quanto Marcos Siscar tem razão ao dizer que é preciso saber formular as questões. Não dizer apenas, por exemplo: "Uma característica da contemporaneidade é o hibidrismo". Mas forçar a pergunta de outro jeito: "Afirmam que uma das características é o hibidrismo; como isso se realiza na obra tal do escritor tal?" Muitas respostas - inquietantes, traiçoeiras, fortes - sairiam se O mau vidraceiro fosse assim questionado. Suas personagens estranhas, em situações insólitas, envidraçadas numa linguagem que oscila entre tantos gêneros, alimentam-se dessa mistura desordenada que finca pé no nosso tempo. Mas não se  conformam. É o que me parece. Como que pedem menos "novidades, sem, no entanto, perder a vontade de estranheza, da qual se compõem.  
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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

sobre o ritmo


demorei para me acostumar com o ritmo, como se ele ferisse o que até então era meu ritmo ideal. não apenas os meus movimentos limitados, mas a movimentação agora própria da casa me era estranha. demorei para saber que isso que agora fazia parte do meu cotidiano era a movimentação de uma família, ou de uma família com filho. os tatus, bebedores de vinho e cerveja, amantes dos filmes e da música, haviam mudado pouco o ritmo. o que antes eu fazia só, fazia depois com ele; ele que agrega muito fácil seus grandes amigos em volta dele: a idiorritmia estava mantida. 

agora não, quase tudo mudou. tive sorte na senhora que me apareceu. cada dia ela tem uma história nova, uma história de quem tem o ritmo que um dia já foi meu. ela cuida da casa de maneira lenta e dedicada e eu, no início abismada, agora quase confortável, desarmo meu colete de ferro e me deixo dominar pelo novo ritmo. é um outro cuidar, este. tanto de mim quanto dos outros.  

há uns dois dias, sinto que me acalmei. como se as gargalhadas que eu dei ao telefone contando a minhamari as minhas tantas neuras as tivesse levado embora. como se eu, depois de tantas ruminações, fosse de novo outra, uma outra que acata um novo ritmo, não mais silencioso e brumoso. um ritmo tagarela. não sei até quando. também não me interessa. se desde sempre foi o presente que me interessava, agora ainda mais.    

em tempo: em um daqueles momentos de delicadeza, talvez eu tenha falado para o Tatu: "e se usássemos alianças?". talvez ele tenha ouvido, porque há cerca de duas semanas ganhei uma aliança igualzinha a que um dia minha mãe perdeu no terreiro de nossa velha casa e que, depois de muitos anos, encontrou no meio de tijolos velhos. uma aliança grossa, com formato antigo. trocamos nossas alianças sem cerimônia, aos risos, e me veio um susto, uma alegria. dentro da minha, está escrito "Tatupai" e dentro da dele, "Tatumãe". sim, assim, insignificâncias. assim, que significa um tanto. dengos no meio desta paralisia de pés. dengos para o novo ritmo. ainda a idiorritmia. uma outra.

* imagem: do ernesto netto, que adoro, no blog http://camilagonzatto.blogspot.com/

domingo, 19 de dezembro de 2010

Por ora, a vida

A Princesa, clicada por mim, na  sua noite

Por um tempão eu me perguntei por que na volta para casa fui ler Memória de elefante, do António Lobo Antunes, um livro triste, triste, triste. E emendei com as suas Entrevistas, um catatau onde ele destila seus venenos, alternando sua crença na literatura com a pouca crença nos escritores.

É um livro triste para se guardar, para ler e reler. Um dia na vida de um homem, psiquiatra, separado da esposa que ama, pai de duas filhas que ele venera e angustiado com tudo isto, com a profissão, o casamento, a paternidade, o amor. O primeiro livro do Lobo Antunes e ele já nos dá um soco destes. Dele, só havia lido Os cus de Judas. E muito por causa desse livro, aproveitei a disciplina do semestre passado para "obrigar" os alunos a lerem o Lobo Antunes. Mas enrolada com o próprio tempo, eu mesma não havia dado conta. Talvez por isto, porque a dor no estômago não me era suficientemente grande. 

Eu tenho muito claro o tipo de livro que me prende. Tem que socar meu estômago. E a maneira mais fácil disso acontecer é quando encontro, juntas, densidade psicológica e uma linguagem que não se deixa vencer facilmente. Quantas vezes já não disse que Faulkner, Kafka, Bernhard, Beckett são deuses? Lobo Antunes ainda não está no time, mas...

É porque 2010 está sendo um ano estranho. E às vezes eu tenho que fazer um esforço enorme para que tudo não fique cinza. E eu devo fazer um esforço enorme porque tudo que me interessa e me importa continua aqui: o meu filho, tatupai, a família buscapé toda, os grandes amigos, meus gostos, meus planos, meus pobres enganos. Então esta porra de movimentos limitados, esta parca força que me deixa exausta até quando arrumo uma cama, ponho uma manta no sofá ou seguro o Poeminha mais que um minuto não deveriam me incomodar tanto. Mas o fato é que incomodam. Eu fui uma criança doente. Uma criança doente, pobre, numa família que não ligava pra mim. E cuidar disso vida afora dá um trabalho dos diabos. Então eu quero agarrar meu filho e rodopiar com ele, para que ele sinta, muito mais do que saiba, que eu me importo. Eu não quero ser uma pessoa doente, é isso. Não gosto de sofrer, eu queria já ter pago minha cota de. A doença em mim não é nem nunca será a doença nietzscheana, a doença que constrói uma obra.

Então um livro como o do Lobo Antunes não me consola, mas me extasia, me sacia. E assim como ver meu filho andando seus passos tortos e firmes ou ver a minha Princesa linda, louquinha, meio perdida de alegria e de tristeza na sua festa de formatura, como eu mesma já atravessei tantas noites assim, num desespero doce e sublime, um livro como Memória de elefante me faz agradecer a todos os deuses, a tantos quantos possam existir,  por estar viva. E que se fodam meus parcos movimentos e minha pouca força. Por ora, a vida deve bastar. E esta é a resposta que demorou a chegar.
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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Dinda


Maria Teresa nasceu. Isto de estar viva e ver o outro nascer. E sem que ela saiba, ser ela parte de mim, porque em mim estão todos que amo. E amo por extensão Maria Teresa, que me causou um pranto longo de alegria por saber Marimãe.  Maria Teresa, quando falar, vai me chamar de madrinha. É porque é nossa história que se alonga, que adentra no tempo.
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domingo, 5 de dezembro de 2010

os dias os dias os dias


Tenho sentido mais vontade de ler do que de escrever. E tenho ouvido muita música - uma coisa bonita de ficar aqui com Poeminha e, enquanto ele brinca, me entrego a ouvir, exausta, com esta fadiga que fez morada em mim, mas que qualquer hora vai partir.

Tenho lido uma coisa e outra. Nem sempre literatura. Reli A via crucis do corpo, da Clarice. E li A morte de DJ em Paris, do Roberto Drummond. Mas o livro que fundiu mesmo minha cuca foi Interior via satélite, do Marcos Siscar. Tão bonito, bonito demais. Há dias ando com as Conversas com Woody Allen, um catatau que pesa nas minhas mãos agora doloridas, mas que é uma conversa magnífica, de quem sabe por que está aqui.

E temos nos divertido com o livro 1001 discos para ouvir antes de morrer.  1000 cds nas prateleiras, mas apenas um pouco mais de uma dúzia consta no livro. Aí ficamos como meninos procurando, procurando e ouvindo. O barato disso tudo é saber da infinitude destas listas. A curiosidade sempre suplantada por aquilo que é próprio da criação: ainda e ainda sempre mais.  

E assim os dias os dias os dias os dias
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