terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O mau vidraceiro de Nuno Ramos

Nuno Ramos não deve caber dentro de si. Seus peixes metalizados agonizam faça chuva ou faça sol no Ibirapuera para não deixarem dúvidas da veracidade da sua inquietação. É um artista que sapateia sobre as várias formas da linguagem. Em busca de transbordá-las. Ou jogá-las fora quando parece usar todas ao mesmo tempo. Artista plástico, escritor, pintor, matreiro, urubuzento, é assim ele. Talvez por isso, por esta prévia imagem, eu tenha insistido tanto sobre o seu livro, O mau vidraceiro. E no entanto, foi difícil, foi sofrido. Eu lia e desejava acabar logo com o que parecia nunca acabar. Na maior parte do tempo, não fui capaz de alcançar a proposta, de entendê-la, de amá-la. Não encontrei um fio onde me sustentar e,  por isso, vacilei. No jogo impiedoso do gosto-não gosto, fiquei com a segunda opção, embora tanta palavra bonita tenha ali, reconheço. É que fiquei com a impressão de que a escrita de Nuno Ramos oscila neste livro entre o sublime e a bobagem. E que a indefinição dos gêneros  - microcontros, contos, ensaios, rascunhos (?) -, para além do caráter experimental, contribua muito mais para a bobagem do que para o sublime. Se fosse de outro jeito, se o experimental não fosse tão forçosamente avesso à narrativa propriamente dita, talvez fosse outra coisa, ainda melhor. Porém, no momento mesmo em que escrevo, me assalta a dúvida: e se meu alcance de leitora foi tão mínimo que me amarrou, incapacitando-me de ver a tanta beleza que parece haver ali? Vou deixar esta pergunta em suspenso, para respondê-la quando me demorar sobre o seu próximo livro, que já comprei, Ó.

E se eu tivesse amado o livro, se ele não tivesse me rejeitado, diria que a insistência sobre o corpo, sobre a materialidade, faz deste livro um objeto inquietante. Fiquei pensando o quanto Marcos Siscar tem razão ao dizer que é preciso saber formular as questões. Não dizer apenas, por exemplo: "Uma característica da contemporaneidade é o hibidrismo". Mas forçar a pergunta de outro jeito: "Afirmam que uma das características é o hibidrismo; como isso se realiza na obra tal do escritor tal?" Muitas respostas - inquietantes, traiçoeiras, fortes - sairiam se O mau vidraceiro fosse assim questionado. Suas personagens estranhas, em situações insólitas, envidraçadas numa linguagem que oscila entre tantos gêneros, alimentam-se dessa mistura desordenada que finca pé no nosso tempo. Mas não se  conformam. É o que me parece. Como que pedem menos "novidades, sem, no entanto, perder a vontade de estranheza, da qual se compõem.  
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