segunda-feira, 28 de março de 2011

sinuca embaixo d'água

antes de ler sinuca embaixo d'água, da gaúcha carol bensimon, eu li seu antigo blog, que ela escreveu quando estava em Paris. imaginei uma porção de coisas antes de ler o livro. imaginei mesmo que não ia gostar, embora tenha gostado bastante do seu blog - um certo encanto blasé que, na verdade, lembrara muito minha própria experiência em Paris. volta e meia a discussão sobre a figura pública do escritor adentra minha seara e, na época, uma série de questionamentos passava pela minha cabeça, do tipo: "será que preciso mesmo ler os livros dos escritores que "descubro" na internet?", mas como eu continuei a acompanhar a carol no seu novo blog - dromedário -, gostando cada vez mais da sua escrita, comprei o livro e o li na semana que passou. e não sei se eu já estava imersa em penumbra ou se foi o livro que me fez adentrar nesta espécie de dor difusa que é a perda de alguém, mas o certo é que gostei muito.

valendo-se de um artifício poderoso como o é a morte, carol faz um livro sobre o luto. sobre os sentimentos devastadores que se acumulam quando temos que conviver com a irreversibilidade da morte. e não qualquer morte, mas a morte de um amigo. em cada personagem que fica, a amizade incondicional por aquela que se foi. a dimensão terrível da presença de uma ausência. o pior é ter que lembrar que ela não está mais ali, como diz o irmão em certo momento do livro. o lugar da sinuca embaixo d'água já ruína antes mesmo de ser. 

é um livro que não conta exatamente uma história. há até um momento em que pensamos que se constituirá  um mistério, para mais lá na frente percebermos que é só mais um clímax frustrado, pois o que de fato se conta é o peso do momento na vida de cada um daqueles que perdem Antônia, cuja imagem  que se projeta é a de alguém que era a "alma" dos que agora sentem a dor da sua ausência - uma ausência que nunca é completa, porque há a dor do luto. não é que Bernardo, Camilo, Polaco e alguns outros não tenham vida "própria"; é o exato contrário. é como a trilha sonora que não para de tocar, embora, antes do tempo, pareça fora de moda. a vida própria fora do tempo.  

essa atmosfera só não é mais densa - ou tensa - porque Carol insiste em se fixar nas ações de cada um, em vez de esmiuçar o interior de cada personagem, o que não é um problema. fica a dor contida de cada um, sempre prestes a extravasar. a romper os diques. uma promessa que não se cumpre. como nos filmes de lucrécia martel em que ficamos esperando que algo de terrível aconteça para, no fim, nos frustrarmos de uma maneira inexata. não há nada (mais) para acontecer, porque o que havia de terrível para acontecer, já aconteceu.
*
*

sábado, 19 de março de 2011

FALE






O FALE é um andarilho. É de muitos lugares. Apesar de o seu nome próprio – FALE – ser um imperativo, em suas andanças, quer reter a grande sangria do já dito que, em muitas situações, amordaça. A obrigação de falar do estudante de Letras, e também de outras áreas, exaustivamente repetida na Universidade através da fórmula “escreva com suas próprias palavras”, sem que se constitua nenhuma discussão sobre o significado dessa expressão, pode muito bem ser uma aterradora forma de silenciamento. De fato, a constituição de um discurso próprio só se faz quando, antes, amordaçamos os imperativos que repelem a diferença.  A verdadeira reivindicação do FALE, quando levanta a bandeira da pesquisa na graduação, é a de constituir sentidos novos à ideia de pesquisa. Nos dizeres de Lan Pacheco, “pensar a pesquisa como uma busca, para encontrar algo que faça sentido ou que traga um sentido novo e diferente no meio de inúmeras referências semelhantes”.   Não é pouca coisa querer trocar a ideia da ‘exposição’ pela de ‘reflexão’. Não à toa “o FALE é um evento rebelde”, que nasceu nas entranhas do curso de Letras com o intuito de abalá-lo, de revolvê-lo, para que dessas entranhas seja possível escutar a voz do estudante de Letras. Mais que nunca, diante das tantas demandas da Universidade, o imperativo do FALE quer vir acompanhado da responsabilidade de gerar novos sentidos à obrigação da fala.
*
*
Este é o texto de boas-vindas do FALE,  que agora está aqui, tomando meu tempo, minha paciência, meu sono. E, sobretudo, me fazendo lembrar que é assim que se deve fazer Universidade. Sintam-se convidados, minha meia dúzia de leitores. E visitem nosso site, porque há ali muito de sonho, pois a matéria do GEPEC é o sonho. É o fazer.

desencanto

ando melodramática. como um cancro que demora. a gente se acostuma. o que me perturba, perturba mesmo. foi a vizinhança com a morte, talvez. ou talvez sempre foi assim. foi mesmo. eu quero poder duvidar. e ao mesmo tempo sentir que é possível acreditar. esta constante crise com as instituições. uma maré à revelia, numa luta surda, embora bem humorada e com longas tréguas. porque sou leitora de Kafka. porque prefiro amar gente - nem todas e nem muitas - a me devotar a algo que é uma laje fria. é porque acredito. e porque duvido. eu tinha muitas expectativas. e ainda as tenho. quase três anos depois, a empolgação é a mesma. mas atravanco às vezes. e expresso o meu desencanto, a minha dor, o meu cansaço. e choro. porque chorar não faz mal a ninguém. é meio ridículo, eu sei. vão me taxar de desequilibrada qualquer hora, se já não o fizeram. mas não me importo. prefiro isso ao equilíbrio frio.  lembrei de uma coisa ontem enquanto me balançava na rede com o Poeminha. no tribunal onde eu trabalhava, todo mundo se espantava com minha postura "nem aí". eu era visceralmente "trabalhadeira". e isso não combinava com minha postura "este não é o trabalho da minha vida". para contrabalançar, eu chegava atrasada, sempre com sono, por causa da insônia. e às vezes de ressaca, porque naquele tempo as noites eram longas e loucas. é que aquilo não me encantava. não me interessava toda aquela gente de plástico, apesar das exceções tão lindas que até hoje perduram. e hoje me vejo na mesma situação. mas a situação é totalmente outra. este é o trabalho da minha vida. e esta doença me empata a ressaca inevitável. mas vou dizer. assim, a dor é bem maior. como disse meu amigo, é que eu fico com vergonha das pessoas que, embora não sejam de plástico, se contentam. talvez sem o saber adotam o discurso mais fácil. e deixam de sonhar. e consequentemente tiram a vontade de outrem sonhar.
*
*
*

quarta-feira, 9 de março de 2011

Quarto & sala etc.

Quarto & Sala sonha para o alto e avante. Com o bom morar, bom produzir, bom criar, bom trabalhar. Mira, atento, para a maneira que gira e funciona o universo ao nosso redor. Vê poesia na simplicidade e quer, bastante, se afastar da sofisticação boba que atenta ao luxo clássico.

decoração é algo de que realmente gosto. se eu tivesse bala no cartucho, teria uma casa m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a, daquelas de cinema (não de novela, que são sempre tão certinhas, tão caretinhas). eu espicho o olho pra blogs de decoração e volta e meia fico toda assanhada com alguma ideia. e quando viajo, compro revistas de decoração. voltei com uma debaixo do braço que falava sobre o dono de um blog de modo bem bacana. e a casa do sujeito, oh, muito  estilosa. fui conferir, então. é assim: ele fotografa casas nada convencionais e escreve um pequeno texto sobre elas. nada a ver com casas que aparecem nas revistas e, mesmo, na maioria dos blogs. não sei se eu moraria em nenhuma daquelas casas, mas fiquei feliz por elas existirem, se assim posso dizer. sabe quando a vida pulsa? pois é. livre de modismos, de tendências, de imposições. e se gostei, é porque penso que toda casa deve ser assim. eu mesma nunca terei uma casa clean. aqui em casa, tudo conta uma história. e eu tenho muitas histórias, amém. fotinhas do blog do moço, que ainda por cima é um baita fotógrafo de interiores.






terça-feira, 8 de março de 2011

eh samba

é difícil lembrar que é carnaval, a não ser talvez pelo fato de que, já em casa, minhaManeca veio me visitar, e estamos as duas, aqui, tagarelando há alguns dias, na malemolência típica de uma casa quando com visita. o fato é que o tempo faz as suas mudanças. e se sinto falta de carnavais antigos e imagino que ainda irei lá em Recife em carnavais futuros, a verdade é que estou absolutamente à vontade no meu "mundo vasto mundo". sinto-me em paz. isso parece bobeira - ao menos me parecia há algum tempo. mas de fato é bom estar em paz. é prazeroso.traço planos a dois. vivo a três e tudo me parece muito certo. oxalá perdure. não tenho tempo. mas os tempos me parecem bons. e eu pensei tudo isto enquanto ouvia um cd antigo do rômulo fróes, um músico que me cativou desde a primeira audição. há muita verdade no seu samba. muita doçura e muita dor. recomendo muito. qualquer um dos seus cds é uma experiência única, inclusive o último, onde ele tenta fugir do samba, sem conseguir, o que não é nenhum problema. "no chão sem o chão" busca outros ritmos, mas o samba, como um hóspede indesejável, está ali, atrelado a voz do seu músico. é bonito, verdadeiramente bonito. e mais não digo nesta tarde de sol frio.  

quarta-feira, 2 de março de 2011

longe da cria

Então é assim. É isso que sentimos quando deixamos a cria. Quando estabelecemos uma distância que o olho não pode ver, o corpo não pode tocar. Eu imaginei. E comecei a sentir, ali, quando o coloquei para dormir na noite anterior a minha vinda. O choro veio fácil, antecedendo a dor física que senti ao deixá-lo, ali, na manhã seguinte, com outra que não eu. Ele tocou meu rosto com sua mão delicada, uma, duas, três vezes, ao me ver chorar, e cravou aquele olhar em mim. Ficamos, ali, demorando naquele tempo de delicadeza. Fiz ele gargalhar para  espantar minhas lágrimas. No meio de um destes risos, ele se aconchegou em cima de mim, encostou a cabeça e dormiu. O nome disso é amor. Por isso, estou aqui, como diz aquela protagonista de novela antiga, toda amarrotada por dentro. Ele, não. Ele está se saindo melhor do que eu. Porque amo, crio Poeminha para amar pessoas. E ele ama. E me troca sem nenhuma cerimônia por estas pessoas. É verdade que à noite só quer a mim. Empurra o pai se acorda. E aponta lá pra fora para dizer quem quer. E se eu não venho logo, se levanta, e vai atrás. Mas de ser assim, de dormir comigo, de só dormir  quando nos deitamos juntos na rede e eu cantar ou contar histórias não faz dele uma criança dependente, chorona, frágil. De jeito nenhum. Ele chega mesmo a nos assustar com tamanha independência. Na possibilidade do primeiro braço, na primeira oportunidade de brincadeira, liberta-se de nós e vai. Abana os braços de felicidade quando chega no quintal da sua Bisa e nos dá tchau já de costas. Ainda bem que nos recebe de volta com o mais lindo dos sorrisos e com o mesmo abanar de braços. Um ano e cinco meses e nenhum resquício de insegurança, de medo. Sorridente, tranquilo, tartamudeador, teimoso quando quer, é assim Poeminha. E é por isso que estou aqui,  com esta enormidade de sentimento. Porque saiu de mim. E porque partilhamos esta vida, estou toda zonza de saudade, de falta, também do Tatu, não vendo nenhuma lógica em estar longe dele. Veja se pode uma coisa desta. Veja como é bom sentir este deslocamento. Tudo isso me faz cheia de espanto.
*
*