terça-feira, 31 de maio de 2011

palavrinhas

gosto muito de muitas coisas. e de muitas pessoas. marie me liga de paris e disparo a chorar. um pensamento me atravessa: "se tivesse morrido, não ouviria mais a voz de marie". ou não existiria mais a possibilidade de vê-la. a possibilidade de não mais existir é, definitivamente, muito perturbadora. ainda estou assim. o corpo melhora, mas a alma ainda dói. meus dedos dos pés ainda estão dormentes. e de fato não são uma bela imagem. quando minha avó morreu, a mãe do meu pai, por quem eu tinha verdadeiro amor, figura tão miúda, e já estava no caixão há algumas horas, eu toquei nos seus dedos e levei um grande susto ao senti-los duros, petrificados, carne morta. meus dedos dos pés estão assim - curvados e duros como dedos de mortos. isso dificulta um pouco meu equilíbrio. mas muito menos do que antes. agora quase caio porque esqueço de que meu equilíbrio ainda é tosco - o que é um bom sinal. 


amo muita gente, mas paradoxalmente estou muito retraída. planejo telefonar para cada um dos meus amigosamados e dizer-lhes como sou feliz por eles existirem. mas acabo por não fazê-lo. o telefone é sempre uma arma apontada para mim. não. não estou deprimida. estou entristecida. e muitíssimo ocupada. um parafuso em busca da posição mais acertada. volta e meia me pego a pensar que sou uma sobrevivente. e isso é muito incômodo. porque é como se eu tivesse a obrigação de fazer TUDO - mas eu não posso. de tudo o possível - então eu agarro bem forte o meu filho e também o livro que mais quero ler e não posso - não posso! - porque também preciso cumprir meus compromissos. fazer o melhor naquilo que me propus a fazer. e como? como, meu jesuscristinho, não me embrutecer? não entristecer? o que é a vida, quando sentimos que a vida poderia não mais existir? ainda bem que ninguém me pergunta. não saberia responder. também não sei ao certo como agir depois de quase ter morrido.
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voltei para a universidade intempestivamente, porque na verdade não havia saído dela - meus projetos me mantinham bem colada ao seu cotidiano. mas sinto tantos espaços estéreis. talvez por isso me agarro loucamente às mil tarefas. e o anúncio da minha volta?... ah, não falo! tenho humor, sempre tive. gargalhei imaginando que seriam preciso dez anos de análise para superar aquela frieza toda. mas não. não pago um tostão pela falta de emoção do outro. basta que eu sinta como é importante estar de volta, basta que minhas mãos tremam ao anunciar a minha volta. depois... depois não tem importância. manter o foco do que é importante. e lembrar da ternura em volta. o que importa, importa para mim. para o tatu. para meu filho. para minha família. para os amigosamados. e não é isso que importa? isso é tudo. então um dia quem sabe, é o que penso. e será um alívio. para mim, sobretudo. é isso. sou eu, ainda. uma menina. uma mulher que chora ao ouvir a voz da amiga d'além mar. uma amiga que chora ao falar para a melhor amiga: "não mereço". mas mereço. estou aqui. e farei o melhor. nunca, jamais, me entregar ao ódio em volta. ao descaso em torno. à incompetência, à perseguição. sem estoicismo. farei o melhor. e para mim, melhor para mim, porque só amo em volta de mim porque, como já me  disseram, tenho um profundo amor por mim. e estou viva. e é muito bom estar viva. porque o milagre da vida é a própria vida. parece frase de auto-ajuda. mas não é. é a certeza de que, estando aqui, o milagre da vida ainda persiste.   
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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Blog das 30 pessoas

A partir de agora, todo dia 26 de cada mês, eu escreverei aqui. uma moça bonita me convidou. trocamos emails cheios de ternura. de cara me apaixonei pela ideia. 30 pessoas. 30 visões de mundo. 30 linguagens. topei na hora. mas confesso que fiquei nervosa na primeira postagem. bebi uns chopps para encarar a escrita. a obrigação de escrever. ainda mais hoje que verti muitas lágrimas. de emoção, ainda bem. mesmo assim, lágrimas. sempre fica um nervo exposto. sangue transparente que escorre na face. ainda mais hoje em que nós, Tatupais, tivemos que ficar bem perto do Poeminha, ficar ali sentindo a sua dor impossível. apesar de tudo isso, depois do chopp, no trajeto de carro para casa, "escrevi" mentalmente uma postagem LINDA. ilusões do pensamento, é claro.  quando sentei aqui, não lembrava palavra. o branco. afinal, lá eu sou uma estrangeira. diferente daqui, que é meu lugar. ainda assim, escrevi. pela mesma razão por que escrevo aqui::: pelo prazer de escrever. 
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a imagem foi a que postei

quarta-feira, 25 de maio de 2011

uma conversa amorosa com a literatura

muitas experiências. e elas tomam conta de mim. deixo abertas as frestas. existem.  nem que sejam por pouco tempo. de todas, a leitura. o ensino. o saber. qual é este mesmo?

neste sábado, precisei condensar mais de cem anos de literatura brasileira em oito horas. demarquei, então, o impossível. registrei o engodo e por dois dias histéricos busquei sistematizar estes mais de cem anos. uma tentativa de estancar o desague de palavras que com certeza jorrariam. ou o silêncio, nunca se sabe. qual efeito, ainda não sei dizer. mas para meu próprio deleite, falei oito horas ininterruptas, declarando meu amor ao período moderno e contemporâneo - "meninos, creiam, salvo Machado de Assis, tudo que vale a pena está neste século". e autobiográfica como sou, jurei: "diante da morte, conta muito pensar: eu li a obra completa de graciliano ramos, desde caetés até memórias do cárcere, passando pelo enorme abismo que é angústia". tem hora que a literatura pede só uma declaração de amor. ainda mais nestes tempos em que qualquer amor parece sem sentido. eu quero todos os seus sentidos. sou, afinal, uma leitora, antes de ser professora. e antes de tudo, sou um sujeito - com ânsias medonhas. 

talvez por isso eu rejeitei o material com o qual deveria falar sobre literatura. e criei meu próprio material. rejeitei-o. ou ele me rejeitou, não sei. dados e fatos não me interessam. lembrei-me, mais uma vez, de barthes. e achei que valia a pena apostar no sentido amoroso da conversa. 
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e de quebra, ainda namorei. Poeminha ficou com a avó e a bisa. e nós, Tatupais, aproveitamos a visão das estradas, a música no carro, o lugar para dois.

terça-feira, 17 de maio de 2011

bizarrices

não faço parte dos doisbilhões (!!!) de pessoas que assistiram ao "casamento real". eu até achei que veria algo na reapresentação do Fantástico, na Globonews, mas na hora de começar, veio a notícia da morte de Bin Laden e, em lugar do Fantástico, apareceram ininterruptamente imagens do "terrorista mais procurado do mundo". 

achei que essa "coincidência" diz muito sobre nosso tempo e sobre o modo como vivo esse tempo. não vou aqui detalhar porque acho tão estranha a estranha lei de "olho por olho, dente por dente". não sei se seria justa com tantas vidas que se foram. mas não posso deixar de dizer que acho deprimente o modo como absorvemos discursos artificiais e tornamos nossas algumas palavras que, de fato, não são nossas. são construtos de uma época. "guerra ao terror" é uma dessas expressões forjadas. 

e qual é mesmo a graça de observar dia após dia um casamento? o que há de anormal no fato de um casal de jovem resolver casar? só se for pela longevidade do namoro. e os elogios pra lá de exagerados à noiva? é como se de repente todo o nosso imaginário tivesse sido suplantado. desde quando o "ocidental" acha algo de extraordinário numa moça com tão poucos atributos? esta moça me parece um moça comum, com um rosto mais para feio do que para bonito, envelhecido pela dieta draconiana que teve de suportar para estar "linda" no dia do casamento. e que se veste de uma maneira insuportavelmente careta para a sua idade. fiquei imaginando por quanto tempo ela vai suportar as lentes do mundo voltada para ela. quanto tempo demorará para enlouquecer. 

Enfim, achei bom não ter tempo para vivenciar essa histeria coletiva. bizarrices. de um lado, um morto; de outro, uma viva emparedada. ando tentada a pensar que faltam às pessoas experiências reais. faltam vivências que suplantem os contos de fadas que outros supostamente vivem. eu ando meio histérica - envolvida com um tanto de coisas: umas que quero muito e outras que ajudam a pagar as contas fim de mês. mas me consola saber que são minhas experiências. é minha vida. minhas decisões. meus impasses. é meu brilho no olho - que compartilho com o filho. este que sorri deste modo tão inteiro. falei dias desses para um grupo de alunos que só sei ser assim: na paixão. pode ser uma imagem e nem ser real. mas me sustenta. ao menos, não sou espectadora da vida dos outros (embora não me furte de dar uma olhadela). sou a protagonista de mim. 

sábado, 14 de maio de 2011

Fotografias para explicar uma frase

fotografias que não me deixam mentir: "em Mapplerthorpe, não.  uma flor pode ser tão sensual quanto um corpo. mas nunca um corpo é singelo como uma flor".








imagens: http://www.mapplethorpe.org/

terça-feira, 10 de maio de 2011

para o filho

poeminha, não sei que magia você intui nos barulhos variados da máquina de lavar. só sei que desde algum tempo a cada vez que a máquina muda de função, sobretudo se é a de centrifugar, você corre ao meu encontro para que eu lhe ponha nos braços e, assim, você possa observar o movimento da máquina pela tampa. você não sabe, mas essa interrupção contínua é por vezes exasperante e inconveniente. porque às vezes vem no meio de uma frase escrita ou lida, de um email quase a ser enviado, de um descanso necessário ou mesmo de uma cena de filme imperdível. e ainda assim, quase nunca eu lhe furto desse prazer. intuo que há ali um encanto que não cabe a mim quebrar. o que você pensa é a mim interdito. mas gosto de pensar que tem a ver com os sentidos do mistério que você constrói aos poucos. é o girar, é o cair da água, é o intervalo entre um e outro.

e você quebrou, pela primeira vez, um objeto de valor, sentimental que seja. continua com sua delicadeza, mas vivencia constantemente uma curiosidade atenta em relação às coisas. eu estava viajando. e ainda bem que estava. não sei se, num impulso, não teria dado uma bronca sumária. como era o olhar amoroso e condescendente de sua bisavó que lhe vigiava, o que restou do acontecimento foi a sua narrativa. e você ainda não pronuncia palavras e frases inteiras. filho, e foi linda a sua narração. seu pai chegou mesmo a dizer que valeu a pena você ter quebrado só para que pudéssemos presenciar o seu contar. um contar a mim, que tantas vezes lhe interditou o objeto agora quebrado. você ia e vinha, apontava para a outra peça semelhante que sobrou, e balbuciava uma cantilena que finalizava sempre com "bou", "bou" - "bou", de quebrou, como você já aprendeu devido às xícaras da gaveta. e me deu uma alegria, filho. lembrei das tantas vezes que apanhei por ter feito alguma coisa "errada". e das tantas vezes que fiz silêncio com medo de. já adulta, apanhei porque galinhas quebraram as louças da sua avó. supostamente só podia ter sido eu a deixar a porta aberta. e ouvindo a sua história, filho, prometi a mim mesma nunca roubar a sua coragem de dizer. esta de agora. você, ali, resoluto, firme, decidido a narrar da forma mais clara possível, como a não deixar dúvida. e no meio da promessa, já pressenti como será fácil cumpri-la. não se trata, filho, de não ensinar o certo e o errado. trata-se de aceitar o erro como parte da história que nos cabe cumprir por aqui.
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domingo, 1 de maio de 2011

Só garotos, de Patti Smith

... O artista busca entrar em contato com sua noção intuitiva dos deuses, mas, para criar seu trabalho, não pode permanecer nesse domínio sedutor e incorpóreo. Ele deve voltar ao mundo material para fazer sua obra. A responsabilidade do artista é equilibrar a comunhão mística com o trabalho criativo. Patti Smith

quando estava em paris, fui a uma exposição num daqueles "museus do sexo" - ou sexshop - que há em montmartre. lembro que senti um certo enfado, fotografei uma coisa e outra, batalhei um tempo por um copo de vinho no balcão e nada mais.  provavelmente, eu não lembraria desse fato, se não tivesse lido, no feriado de páscoa, o livro de Patti Smith, Só garotos. numa das paredes, havia uma fotografia de Robert Mapplerthorpe, e foi sobre ela que, depois da exposição, falei horas. eu queria encontrar em francês as palavras certas para dizer que ali havia a potência, a chama, a incógnita, a arte. algo muito diferente, por exemplo, de alguns ensaios da Playboy, que para dar um ar de pseudoarte, retiram toda a sexualidade. e a nudez perde, assim, seu caráter erótico, profano, sensual. 

em Mapplerthorpe, não.  uma flor pode ser tão sensual quanto um corpo. mas nunca um corpo é singelo como uma flor. lembrei de tudo isso enquanto lia Só garotos, o canto de amor de Patti Smith a Robert Mapplerthorpe, seu amante, amor e amigo de uma vida inteira. e senti de novo muito fortemente porque não devemos aquiescer diante da normalidade. é preciso sempre uma válvula para o imaginário. para o por que não? os anos 1960 e 1970 brincam com nosso desejo de ser outro, totalmente outro. o poder de tudo poder. tudo é da ordem do imaginário. e Patti Smith tem uma linguagem muito delicada, muito verdadeira, para falar desse tempo, para se reconhecer como uma das protagonistas.  na verdade, é a história de um amor impossível. porque as histórias de amor, quase sempre, são da ordem do impossível. e há aquelas histórias de amor que seriam completas, se não fosse a ausência de desejo do corpo. a de robert mapplerthorpe e patti smith, é uma dessas histórias. almas que disputavam com corpos que queriam outra outra coisa. 

para mim, ler o livro foi como mexer em velhas fotografias,  trazendo até a mim o fascínio do passado, um recordar intenso e poético. gostei mais quando ela não queria explicar nada, ou se desculpar por nada - quando assumia por inteiro a loucura daquele tempo. aquele. rebeldia e nenhuma vergonha em estarem alheios às ordens impostas - sexo, drogas, rock and roll como sinônimo de liberdade, juventude e busca intensa de um lugar no mundo - com uma complexidade comovente e desafiadora que é própria dos artistas.
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