domingo, 1 de maio de 2011

Só garotos, de Patti Smith

... O artista busca entrar em contato com sua noção intuitiva dos deuses, mas, para criar seu trabalho, não pode permanecer nesse domínio sedutor e incorpóreo. Ele deve voltar ao mundo material para fazer sua obra. A responsabilidade do artista é equilibrar a comunhão mística com o trabalho criativo. Patti Smith

quando estava em paris, fui a uma exposição num daqueles "museus do sexo" - ou sexshop - que há em montmartre. lembro que senti um certo enfado, fotografei uma coisa e outra, batalhei um tempo por um copo de vinho no balcão e nada mais.  provavelmente, eu não lembraria desse fato, se não tivesse lido, no feriado de páscoa, o livro de Patti Smith, Só garotos. numa das paredes, havia uma fotografia de Robert Mapplerthorpe, e foi sobre ela que, depois da exposição, falei horas. eu queria encontrar em francês as palavras certas para dizer que ali havia a potência, a chama, a incógnita, a arte. algo muito diferente, por exemplo, de alguns ensaios da Playboy, que para dar um ar de pseudoarte, retiram toda a sexualidade. e a nudez perde, assim, seu caráter erótico, profano, sensual. 

em Mapplerthorpe, não.  uma flor pode ser tão sensual quanto um corpo. mas nunca um corpo é singelo como uma flor. lembrei de tudo isso enquanto lia Só garotos, o canto de amor de Patti Smith a Robert Mapplerthorpe, seu amante, amor e amigo de uma vida inteira. e senti de novo muito fortemente porque não devemos aquiescer diante da normalidade. é preciso sempre uma válvula para o imaginário. para o por que não? os anos 1960 e 1970 brincam com nosso desejo de ser outro, totalmente outro. o poder de tudo poder. tudo é da ordem do imaginário. e Patti Smith tem uma linguagem muito delicada, muito verdadeira, para falar desse tempo, para se reconhecer como uma das protagonistas.  na verdade, é a história de um amor impossível. porque as histórias de amor, quase sempre, são da ordem do impossível. e há aquelas histórias de amor que seriam completas, se não fosse a ausência de desejo do corpo. a de robert mapplerthorpe e patti smith, é uma dessas histórias. almas que disputavam com corpos que queriam outra outra coisa. 

para mim, ler o livro foi como mexer em velhas fotografias,  trazendo até a mim o fascínio do passado, um recordar intenso e poético. gostei mais quando ela não queria explicar nada, ou se desculpar por nada - quando assumia por inteiro a loucura daquele tempo. aquele. rebeldia e nenhuma vergonha em estarem alheios às ordens impostas - sexo, drogas, rock and roll como sinônimo de liberdade, juventude e busca intensa de um lugar no mundo - com uma complexidade comovente e desafiadora que é própria dos artistas.
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2 Palavrinhas:

Pips Marshall disse...

Lindo texto! estou com saudades de você!! num tempo antigo com outras belezas, ainda sem poeminha e sem clarinha! Ele me fez voltar a escrever! beijos
Fa

Milena Magalhães disse...

Fabiolabela, também sinto muita saudade do nosso outro tempo. Havia tantos desejos, tantas perspectivas no ar! Mas agora o Poeminha recobre tudo de alegria, e isso tb é maravilhoso. Um beijo de saudade.