quinta-feira, 2 de junho de 2011

o micróbio do samba da adriana

a música é mais forma do que conteúdo. porque prescinde das palavras. e não há quem duvide disso. porém algumas vezes é preciso abrir exceção para esta lei. quando a novidade é tamanha. desde que ouvi pela primeira vez o micróbio do samba, o novo cd de adriana calcanhoto, pensei nele como uma exceção. e uma exceção muito bonita. vigorosamente bonita. adriana veste-se de samba, invertendo seus sentidos. e o faz dando voz a mulher - uma (in)certa mulher que se apropria do discurso masculino. até aí tudo bem. quem acompanha, sabe que esta apropriação às vezes é vista mesmo como um retrocesso. não neste caso, é certo. muitas cantoras, nos últimos tempos, flertaram com o samba, mas nenhuma com o vigor de adriana::: marisa monte e maria rita talvez sejam os primeiros nomes que vêm à mente. mas tem teresa cristina e martinália, a quem amo desde muito (mas elas não apenas flertaram; elas são o "próprio" samba). só que nenhuma delas incomodou-se de dar voz à submissão da mulher. ou se incomodaram pouco::: o eu lírico reproduziu aquilo lá: a dor, a saudade, o silêncio da mulher. a malandragem, a sedução, a esperteza do homem. o vigor da adriana está neste contrário: aqui a mulher comanda. reiteradamente. música após música é uma mulher forte e linda que comanda seu próprio mundo de desejos. e a singeleza que é seu samba não deixa que essa escolha resvale em nenhum momento para o panfletário. a que canta é a mulher de agora. pode ser eu. e pode ser você, tão lindas para o mundo, no mundo. e não tenho como não me apaixonar por este universo-mulher: pode se remoer/ se penitenciar/ eu encontrei alguém/ que só pensa em beijar. uma mulher liberta dos anseios tão firmemente sedimentados. com tudo aquilo que advém da beleza de ser mulher::: segura livre leve. um risco, claro: te deixo a geladeira cheia e sem promessa/ que findo o carnaval eu tô de volta/ não chora, neguinho, não chora/ ... / tá na minha hora, tá na minha hora. um risco delicioso - com gosto de invenção que veio pra ficar. certeza que qualquer outra cantora que resolva se arriscar daqui em diante no micróbio do samba não vai ignorar a voz - o tom da voz - de adriana. se o homem tiver voz, que se aproprie do que um dia foi a voz da mulher: ... por você seria aquele que você mandasse ser/ nunca chegaria tarde com a barba por fazer/ vem cá, vem ver, vem ver. a voz da tradição está toda aí. mas o tom agora é outro.
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.:)  
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1 Palavrinhas:

Halem Souza disse...

Infelizmente, (ainda) não ouvi esse disco. "A mulher comanda"... A "questão de gênero" também na música pop? (e o termo "pop" emprego aqui em oposição à "erudita"). Interessante... Incluiria outra cantora nessa lista: Roberta Sá.

Um abraço e grato pela dica.