terça-feira, 30 de agosto de 2011

sobre as leituras e sobre o que sinto

halem me pede para falar de livros, cinema e música. e eu lhe digo que, além de tirar muito pó de móvel, eu tenho lido bastante. e a música nunca pára de tocar na vitrola daqui de casa. cinema é que são elas. serve desenho animado? de primeiríssima qualidade? filho é quem anda mandando nesta seara. mesmo quando a gente desliga, é pensando no seu querer. 

mas como eu ia dizendo, tenho lido, à revelia da universidade, que sempre nos dá mais ordens de serviço do que tempo para a pesquisa, a leitura, o deleite da leitura. nas duas disciplinas, gestos igualmente suicidas = misturar o que já sei, o que já li, com aquilo que quero saber, que quero ler. às vezes, a incompletude fica muito evidente, mas não me importo. só assim para dar prazer. 

no campo da teoria, um plano de curso em busca de um conceito de literatura além da literariedade ou a fuga do conceito em nome do indecidível = aceitar a aporia de que a literatura, hoje, é e não é literatura. amigas acharam difícil. o que dirão os alunos, prefiro nem saber. mas eu tenho me deliciado. gozo.  para isso li O neutro, de Barthes, um livro realmente surpreendente naquilo que, aparentemente longe da literatura, é todo ele uma busca do literário, um outro literário. e ao ler Barthes, eu sinto saudades doídas. noite dessas perdi o sono e lembrei do dia - único dia - em que percorri as proximidades da casa de Barthes em Paris. e me veio um choro sentido, impotente e, ao mesmo tempo, muito bonito = aquela alegria do estive lá. lembrei que foi meu querer que me fez ir até lá. e desde esta noite, eu não paro de pensar nos meus quereres. e comecei a achar - de novo - que tudo posso, se eu assim quiser. e vieram os planos. vieram de novo.

no panorama histórico, a linha evolutiva da literatura brasileira: concretismo, tropicália, poesia marginal. assuntos, para mim, amorosos, no sentido barthesiano. se eu fosse mais normal, e soubesse escolher um campo de especialização, sem dúvida, seria este período = a intelectualidade dos concretistas, o nem aí da geração do mimeógrafo, a rebeldia alegre dos rapazes da Bahia. e fiquei como nos tempos idos: a cada segundo de sobra, eu agarrava um artigo, algumas páginas, um vídeo, um cd sobre estes assuntos. e se recebi de volta silêncio por parte dos alunos, quase esqueço. vale aquela minha já máxima: não é pessoal, não é porque sou eu; é porque simplesmente esses assuntos não lhes interessam.

e no campo da ficção, romances, romances. li eles eram muitos cavalos, do luiz rufatto e pensei que precisava dizer ao Halem que ele se enganara e que eu havia gostado muito do livro. um realismo brutal, não apenas violento, como o é, por exemplo, Rubem Fonseca. deve ser por isso que aquelas imagens de desencanto ficam dias e dias em nossa memória. me veio o desejo de saber transformar aquilo no que ele já é: teatro = cenas independentes de um cotidiano dilacerador.
e zero, do Loyola Brandão? fala-se muito do experimentalismo, mas o que me chapou de verdade - embora às vezes tenha me enfastiado - foi o tom contestador, absurdamente corajoso, se pensarmos na época em que foi escrito - e censurado, claro. não penso pelo viés da alegoria, porque muito próximo da identificação com o real. o que vejo é uma fantasia delirante e real ligada às marcas de um tempo de repressão não tão distante assim.

e agora, estou lendo avalovara, do Osman Lins. que livro lindo, meu jesuscristinho! todo cheio de volteios, de técnicas, de devaneios. a circunferência e o quadrado, como ele define, a serviço de histórias de amor sempre incompletas, como são todas as histórias de amor. e com uma completa corrupção das estruturas narrativas = espaços e tempos diferentes fundindo a minha cabeça leitora. uma surpresa feliz.

é disso que não quero abrir mão. enquanto, por um lado, a realidade me puxa e eu, desastradamente, quase cedo; por outro, batalho pela construção de lugares do desejo = lugares em que eu possa respirar longe da loucura do cotidiano.
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sim, Halem, obrigada por me lembrar de que, para além do meu umbigo, existe a arte. duvido que você seja das pessoas sem sonho que tanto me assustam. você é da estirpe dos loucos que acreditam que a literatura é ainda um espaço de fuga - e dos mais lindos.


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1 Palavrinhas:

Halem Souza disse...

Estava lendo a postagem e pensando: "deve ser difícil ser aluno da Milena"...hehehe... E curioso ver você "metendo a cara" em estudo históricos (no caso, o "cenário" pós-1950 da poesia brasileira); me lembro de ter lido aqui que não gostas de estudos de História da Literatura.

E sobre Osman Lins. É incrível como um autor produz um livro como O fiel e a pedra (que, aliás, eu acho ótimo, mas formalmente tradicional) e também consegue escrever textos inovadores como Nove, novena e Avalovara!

E continue respirando "longe da loucura do cotidiano"; eu já sou dependente do balão de oxigênio da mesmice.

Um abraço.