sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Alguém aqui conhece uma pessoa livre do amor?*


Acabo de chegar de São Paulo, para uma viagem que seria inusitada, se não houvesse outras, igualmente extemporâneas, que a precederam. De acaso em acaso, eu fui a São Paulo porque queria assistir a Fernanda Montenegro no palco interpretando Simone de Beauvoir, em Viver sem tempos mortos, assim como, um dia, fui lá também, junto com Mariamada, só para assistir a uma peça teatral, não importava qual, e calhou que foi Quem tem medo de Virginia Woolf, com Marieta Severo e Marco Nanini, numa interpretação do Nanini que me  impressiona até hoje. Também queria muito ver Em nome dos artistas, exposição de arte contemporânea, que está no Pavilhão da Bienal. 

Eu já parti da gélida Paris, sozinha, para Bruxelas, tendo como única certeza de que assistiria ao show de Bob Dylan, porque encasquetei que nunca mais estaria tão próxima dessa oportunidade. E também fui a Madri, sem um tostão no bolso, além do suficiente para comer mal e me embriagar no bar do hotel, unicamente para ver O jardim das delícias, de Bosch, porque minha cultura parca não me deixava saber que a poucos metros estaria também Guernica, de Picasso. E a algumas quadras, As meninas, de Velazquez.  E por muito tempo, eu disse, e ainda gosto de dizer, que só queria ir a Paris para andar pelos corredores do Colégio da França, onde Barthes havia lecionado seus famosos cursos e proferido Aula, o texto que, sem dúvida, marcou toda a minha trajetória acadêmica.

Comigo sempre foi assim, vivendo de urgências que parecem não ter fim e de desejos que ora iluminam ora obscurecem meus dias. Às vezes de modo leve, às vezes abalada, eu penso que poderia desejar menos. Ser mais focada, seria o termo ideal. Porém, na verdade, eu tenho muito pouco apreço por quem não deseja, como se, adulta, eu continuasse insistindo em preencher as lacunas que ficaram para trás e que, certamente, existirão mais à frente. E assistindo ao monólogo da Fernanda, senti que aquela é também a minha busca: "viver sem tempos mortos".

Porém, agora algo é irremediavelmente diferente. Na euforia da preparação, que se dá sempre de forma intempestiva, eu não percebo que, logo, ficarei martirizada pela falta do que, jocosamente, chamo de “meus dois homens”. Não é apenas saudade do Poeminha. Saudade de mãe. É mais.  Sentir amor pelo pai do meu filho é totalmente diferente de todo amor que senti por qualquer um dos homens que passou pela minha vida, de quem, todos, sem exceção, senti pouca saudade. O certo é que, longe do Tatupai, penso constantemente nele e, para meu próprio espanto, sinto constantemente vontade de ouvir sua voz e de lhe dizer o que estou fazendo. E telefono. Telefono = a ação que me causa mais suplício!. E ainda mais inusitado, arrependo-me de ter saído de perto dele, como se alguma catástrofe fosse me impedir de estar perto dele outra vez.

Senti essa saudade, muito fortemente, em uma das vezes que fui dar aula numa cidade próxima daqui. E achei que fosse por que a minha estadia se resumia a dar aulas o dia todo e, em seguida, ir para o quarto vazio do hotel depois de beber uma cerveja, sozinha, num restaurante nada convidativo.  Mas não. Sinto saudade de Tatupai na cidade que mais gosto de estar, aquela. E não acho isso ruim, pelo contrário. Só preciso, agora, pensar em como levá-lo junto nos meus desejos. Porque, se não estou livre dos desejos, nem livre do amor, posso, ainda assim, continuar desejando ter força e loucura suficientes para simplesmente ir.

* Frase dita por Lirinha, no seu belo show Lira, na Conexão PE, no Auditório do Ibirapuera
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