sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

dos nós que devem ser feitos


neste fim de tarde, aqui, rodeada dos meus livros, com Gal Costa neste belíssimo "recanto", me vem uma palavra que não sei o nome. um sentimento. eu deveria trabalhar, escrever dois ou três emails importantes, mas o que eu faço mesmo é ouvir o CD. letargia, talvez seria a palavra, se ela se carregasse do indefinível. é que ando num trabalho solitário. ando à procura de novas alegrias que a universidade poderá me dar. trabalho solitário, mas inexplicavelmente tranquilo. (re)descobrir que ainda é isto. estou sentindo cada detalhe para não me perder no emaranhado. porque eu preciso da sensação de que o caminho não é vão, pelo menos para quando a morte chegar de novo eu ter a mesma sensação que tive:::: de que não queria ir porque a vida era boa. e porque havia feito muito do que queria fazer. achei que não era a hora porque ainda havia muito a fazer, a ver, a querer, a sentir, e eu me sabia capaz de me dar isto - e dar aos outros. se nos últimos seis meses eu lutei contra um desânimo nunca sentido antes é porque nunca deixei de acreditar. e mesmo agora, que os acontecimentos gelaram meu peito por dias seguidos, me veio uma tranquilidade. uma certeza de que não semeio nem espalho dores. e aqui e acolá sei que amarrei relações muito bonitas, tão próximas a ponto de inspirar. e ser inspirada por elas. se há desvios, e se constantemente quebro minhas próprias promessas, não perco a capacidade de sonhar. às vezes, é tão bizarro. a cada vez que bebo umas cervejas, sem um tostão no bolso, planejo duas ou três viagens. é muito bizarro. mas não tenho a menor dúvida de que se a morte não chegar de novo eu as farei - por mais que demore. é assim::: sem maldade alguma, seguir.

e agora sou bicicleteira. minha bicicleta, escolhida pelo tatupai, quase voa. e eu que não sei dirigir carro, e estou sempre adiando aprender, de repente experimento uma liberdade de menina. ao revés da estranheza dos alunos que dão risinho nervoso quando me veem chegar à universidade, promovo um encontro comigo mesma enquanto cruzo as ruas da cidade. e mais prazer ainda quando saímos nós três, e o Poeminha faz uhhhuuuu a carda curva mais arriscada.

noite dessas, ao rever O ovo da serpente, de Bergman, me veio a sensação doída de que aquela opressão toda não se restringe àquele período histórico. faz parte mesmo das relações sociais - há sempre alguém apontando o dedo para o diferente, num jogo subterrâneo de preconceitos e imbecilidades que revelam o pior do humano. e Bergman, capaz de mostrar isso de modo tão contundente e definitivo, é essencial. ninguém deveria morrer sem a experiência dos seus filmes, foi o que pensei. e também noites dessas, vimos, extasiados, o Arnaldo Antunes ao vivo lá em casa. primeiro, eu amei a casa. Uma casa... de verdade: linda, cheia de histórias (um corredor repleto de fotografias), cheia de livros... e ainda assim uma casa comum: bagunçada, parecida com as casas paulistanas, com uma laje no fundo e grades na janela. E Arnaldo, lá, com toda sua inquietação. amo-o há tanto tempo que, sinceramente,  não sei mais distinguir o que nele, artisticamente, é bom ou bobagem. porque o que eu gosto mesmo é dele - da vontade de fazer que ele expressa em cada coisa que faz. meio da semana e eu tive que beber um vinho para comemorar aquela celebração.
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é bom existir assim.    


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