sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O moralismo anacrônico na arte

Nestes tempos de sexo embaixo dos edredons no já tradicional programa da família brasileira, que é o Big Brother (como não dizer isso de um programa que está na 12ª edição?), andei pensando no que aconteceu comigo e ManaMácia quando fomos ver a exposição Em nome dos artistas, no ano passado. Ao chegarmos, acabamos aceitando a companhia de uma “educadora”, que faria o percurso junto conosco. Acabei me irritando enormemente com o seu discurso e só não a deixei falando sozinha porque apareceram umas estudantes de arte que pareciam estar bem interessadas no seu discurso. De fato, a arte contemporânea não é fácil. Entretanto esse “lugar comum” não deveria permitir que os curadores de uma exposição como Em nome dos artistas permitissem que “educadores” supostamente colocados ali para instruírem o público para uma melhor fruição dissessem barbaridades moralizadoras, preconceituosas e desprovidas de qualquer conhecimento teórico acerca.  É melhor que educadores digam nada, ou nem estejam ali, se tudo que tiverem a dizer diante de “Mãe e filho divididos”, de Damien Hirst, for que eles “não podem aceitar” um tipo de arte que corta animais ao meio e que mata borboletas, para, logo em seguida, num tom moralizador, contar uma história de como, numa ocasião, teve cuidado com umas borboletas que se alojaram sem querer no seu quintal.

É claro que é permitido não gostar, e mesmo se opor, ou sentir repúdio, por essas obras. Até o que é visualmente belo, pode ser motivo de escândalo, como as centenas de borboletas mortas que, juntas, formam um dos mais lindos quadros da exposição, também de Hirst, este artista que não pára de escandalizar o mundo das artes. O que me causou revolta e impaciência foi o moralismo – acompanhado de total desinformação –  que vi embutido no que queria parecer piedade. Cheguei a dizer um “Você não pode dizer isto. Não deste modo”. Mas quando as estudantes de arte fizeram um pequeno clamor em favor da “educadora”, agarrei ManaMácia pelo braço e desapareci dali, certa de que, apesar do meu parco saber, ele estava em melhor companhia se estivesse só comigo. Outras coisas também me desagradaram, como as salas proibidas a menores nas quais estavam quadros de Cindy Sherman [eu já disse aqui que, para mim, ela é tudo e mais um pouco] e de Jeff Koons. 

Se não for instituída uma proibição draconiana, causadora de muito stress como toda proibição, qualquer criança hoje pode ver um close microscópico da bunda de Deborah Secco, vestida com roupas sadomasoquistas (este é um dos poucos exemplos que eu posso citar, visto por acaso, já que não assisto a novelas), num capítulo final de novela, mas não pode ver, numa exposição, um nu, uma cena de sexo ou um pingo de esperma no momento mesmo em que pinga da vagina, mesmo se for uma imagem de uma beleza estonteante, o que era o caso do quadro de Sherman, como se estivéssemos vendo o próprio momento da concepção, aquele momento em que um espermatozóide encontra um óvulo e nos permite o milagre do existir.

E por que parece que eu tenho certa ojeriza ao close da bunda de uma atriz num canal aberto de TV e questione a proibição a menores de certas obras numa exposição? Pela simples razão de que um contexto de uma exposição é, ou deveria ser, ele mesmo questionador. Nele, podemos refletir sobre o sempiterno embate entre ética e estética, ou sobre a relação da arte com o consumo, ou ainda a recomposição do objeto cotidiano que retalha a nossa visão costumeira. Assim como podemos meditar sobre o real ou a suposta espetacularização da intimidade, a exposição do corpo, tudo isso definidor do atual estado de coisas.
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Quando “educadores” não dão esse tipo de informação, que poderia fazer o público compreender o que é aparentemente incompreensível ou inconcebível, perdem a oportunidade de o público que se vale deles sair dali mais informado, mais afim com as propostas da arte contemporânea, apesar de seus espantosos procedimentos. O que se nega, e é o que eu acho mais terrível, é o contato com a própria história da arte; cujo conhecimento poderia levar a questões como por que uma pintura hiperrealista de Sherman, ou uma fotografia de Nan Goldin, ou mesmo os quadros gigantes de Jeff Koons, causam mais escândalo do que O nascimento de Vênus, de Boticelli ou a Olympia, de Manet, eles mesmos, à sua época, dignos de escândalos.
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É o que eu me perguntava diante daquelas placas, para mim, totalmente sem sentido. Ou ao fugir da "educadora". Por um lado, as rédeas parecem soltas a uma proporção inimaginável, por outro, a mistificação da desinformação.  É o horror! O horror!
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1 Palavrinhas:

Mácia disse...

Mana!
Dia maravilhoso!!!
Saudades.
bjbjbj