terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Arquivo 4: Adriana Varejão

Para atacá-la como se ataca também um sujeito, deve-se atentar contra o subjétil mesmo, deve-se tratar e às vezes maltratar o sujeito da representação sob o sujeito da representação, violar esse debaixo do debaixo; e já que viemos assistir a tal "bombardeio", a esse "dilaceramento"... (Jacques Derrida)

embora não seja uma especialista em artes plásticas, isso não me impede de distinguir, de escolher, de amar. uma amadora. e quando vi a exposição de Adriana Varejão no MAM, soube de imediato que a amaria para sempre. há na sua obra aquela estranheza que me interpela, que me choca::: o que não se dá de modo plácido - e é como uma estocada a cada novo olhar. as mesmas estocadas a que Adriana submete o seu suporte. ou seu subjétil, como diria Derrida.

ainda agora, quando olho as fotos que tirei (meras sombras), um arrepio me percorre. sim, esta mulher de fendas, de brechas, de feridas, de cortes, de vísceras expostas. o que poderia ser uma imagem plácida, é de repente cortada, bombardeada, cindida, atravessada -  e o suporte não suporta e precisa vir para frente, atingindo o espectador de um modo tão violento que demoro a me recompor. o que deveria estar dentro está fora, como se depois dela nunca mais fosse possível observar um quadro sem que imaginássemos que dali vai jorrar o sangue da violência da nossa História.

uma composição do absurdo::: o mar, ainda que mar, tem algo de ameaçador, de sombrio, como o lugar perfeito para ir às profundezas. o mar de onde chegaram para nos colonizar (uma sinonímia de violência). e o azulejo, no que tem de asséptico, é manchado de sangue. a História é corrompida, quando se mostra o quanto de violência há "debaixo" dela. uma "força de destruição" que dilacera e destrói o que um dia foi sereno (como as paisagens daqueles que passaram por aqui, pintando um Brasil idealizado). e se a serenidade é desfeita é por que a história passa a ser contada por uma subjetividade marcadamente ameaçada (que se torna, então, ameaçadora). 









entretanto, nada me pareceu mais terrível do que aquilo (uma úlcera na pedra quando explode). mas havia, ainda, o fino corte. finos cortes no azul da paz, da tristeza::: ou seja, da imagem estagnada da tradição. é ali, na História, que o corte é dado para fazer irromper as entranhas, como se tudo que há tivesse no seu "dentro" vísceras - que estão vivas. corpo. o que pode ser ferido, machucado, violentado, violado. o que pode ser morto e, ainda assim, parecer tão vivo. nada é agradável ali. tudo que se viu antes agora está separado, retirado da sua origem, como na paisagem tão antiga em que boa parte está separada do "corpo" do quadro e exposta na mesa, autopsiando um e outro suporte::: o que está na parede e o que, já morto, está na mesa como uma oferenda terrível. não há possibilidade de redenção em nenhum. tudo é rasgo, perfuração, dobras. 

e nada é agradável porque nada está a salvo ali. um tormento medonho trespassa tudo, de modo que a abjeção se alastra por tudo que existe. por toda arte.

(e ainda assim foi um momento tão feliz. mariamada estava por ali. sentada, como que me esperando, com um pouco de horror, como o que eu sentia, mas sem insistir em olhar, como eu insistia. mariamada estava ali e tudo me parecia muito bonito, como naqueles anos em que sempre estávamos ali).

(hoje meus dedos estão como "chumbo". fazendo-me lembrar quando estavam dormentes devido àquela doença já tão distante. e não. nada de ser "solidária de plantão". é tão sem emoção todas essas milhares de palavras de compaixão diante da tragédia. passei o dia pensando no que li no blog do zeca camargo. e minha resposta é quase a mesma. diante do horror do mundo, só nos resta, da nossa parte, viver bem. no sentido de não dar trabalho - nem para os outros, nem para nós mesmos. e tentar que o coração esteja em paz, para não fazer nenhum mal. para que a arte ainda seja o melhor dos mundos, para quando o nosso mundo for tirado de nós, for violentado, possamos dizer que não foi em vão estar por aqui).
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1 Palavrinhas:

Anônimo disse...

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