quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Noite de Bozo

(postagem muito antiga, de um blog meu que não existe mais. me fez pensar no que ainda sou eu e no que não é mais possível ser. nesta noite em que, insone, preciso dormir).



Chego à casa que não é minha com muito sono; e a insônia vela por mim às três da manhã. No email, lixos eletrônicos e um tanto de palavras. Alguma ausência é sentida, mas as presenças reduzem tudo a algum ponto que logo deixarei para trás. Tem email de editor pedindo o novo endereço. Fico pensando que bom seria se isso fosse comum, mas é só uma publicaçãozinha de nada. Certo, a revista é poderosíssima, cheia de exigências porque passou pelo crivo do céu das publicações – o tal sciello. Mas não passa de uma publicação que quase ninguém lê. É o ramo universitário se alimentando de si mesmo – parasitas, talvez.

Queria dizer tanta coisa – à la Rousseau que se confessava para provar que os outros é que eram uns filhos da puta. Mas eu queria mesmo era ser uma máquina de escrever. Tac tac tac! Eficiência à toda prova: quinze artigos no doutorado; outros tantos no porvir; mas sou assim::: lenta, desastrada, absorta num sem fim de devaneios. Parece bem “muderno” ser assim; estar inserida e ao mesmo tempo rir das bobagens da internet onde todos são leitores, veem filmes “cabeça” e amam “meu pai, minha mãe e meus irmãos”. É que a miudeza é apenas miudeza mesmo::: a mediocridade cotidiana lustrada de frases floreadas da qual não escapo nem sei se quero escapar.

Nesta noite insone, lendo e escrevendo essas miudezas, queria mesmo era ter a barriga das francesas e a bunda das brasileiras; não pensar em publicações nem em nenhum outro fastio pseudointelectual. E, no entanto, por ora me contento com uma cerveja enquanto a insônia me vela. Quando ficar ainda mais velha, desistirei de vez da barriga das francesas e assumirei um ar de intelectual entediada; algo que não sou::: nem intelectual nem entediada. É cada vez mais fácil representar o que não se é. Quando o corpo escapa e restam as palavras escritas tudo é, antes, ficção. Fácil assim::: decorar três ou quatro frases sarcásticas daqueles autores que todos conhecem e nunca leram; falar mal de outros dois que todos amam; e a receita estará pronta para ser degustada em alguma festa em que todos tristemente se assemelham. Afinal, fazer parte da má-fé ordenadamente posta na mesa é o que mantém o fluxo cultural em dia.

Acho que hoje sou Bozo [não o do canal de TV que nunca vi, mas o de Beckett]. Começo desde já a treinar o ar enfastiado que logo mais representarei.
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