domingo, 2 de fevereiro de 2014

"Me poupem!". Ou ainda: "Meu cu!"

Aconteceu de assistir ao capítulo final da novela de uma forma tão irreal que merece, sem dúvida, um registro. Nada mais nada menos do que com uma das mais importantes estudiosas de poesia brasileira, aquelas pessoas que a gente só se convence que é gente como a gente depois que ela demonstra de variadas formas que é mesmo. Quando ela for embora, começaremos a duvidar de novo, tamanha a sua autoridade intelectual sobre nós, mas por ora ela está por aqui, e juntos procuramos o que fazer, que se restringe a procurar um lugar para comer, comer, tagarelar e tal. E ontem, vimos a novela "Amor à vida".

O fim da novela e o tão falado beijo. Beijo exatamente não foi. Foi uma bitoquinha mais demorada, daquelas que tasco no Poeminha a toda hora. Até Poeminha saberia, pois já expliquei a ele a diferença entre os beijos que dou nele e os que dou no Tatupai. Poeminha sabe, a vizinha sabe, meus alunos sabem, os que assistem à novela também sabem, mas insistem em dizer que foi beijo mesmo.

Primeiro, quem viu, e mesmo eu que vi um e outro capítulo, sabe o quanto Nico era uma das únicas personagens que reunia características tais como lindo, íntegro, doce, sensível, trabalhador. Uma miragem, enfim. E sobre Félix, a queda por cafajestes que se regeneram vem de longa data na tradição folhetinesca. Em resumo, o que foi mesmo aquele beijo? Para que ele serviu? Quem mesmo se beijava no quintal daquela casa de praia lindíssima, carésima, paradisíaca, vindos da mais doméstica das partes de uma casa (a cozinha, para quem não lembra ou não sabe), depois da mais comum das cenas familiares (a ida das crianças à escola)? Será que faltou o guardanapo na mão ou fui eu que não prestei atenção? Como diz meu amigoirmão Celso: "Me poupem!". Ou ainda: "Meu cu". Agora, é esperar a nova campanha para que o "primeiro beijo de língua gay" aconteça nas novelas da rede Globo. E ver quanto merchandising, quanta audiência, quanto produto, isso vai gerar. Enquanto isso, gays se beijam de verdade, como devem ser todos os beijos, beijam muito, e travam as suas verdadeiras batalhas, num país grotesco que espera com ardor um beijo insosso, enquanto repele com o mesmo ardor não apenas os gays, mas a diferença, esta palavra tão batida, mas tão pouco compreendida. Em suma, a ideia parece ser apenas esta: quem não se enquadra nesta união familiar cristã, materna e fraterna, ou ainda nas palavras militantes de meu amigo Emerson, quem não pertence a esta classe média branca, à toda força, deve tentar furar o bloqueio, nem que seja à custa de pó de arroz. Pois os guetos, ao que tudo indica, continuarão aí, erigidos pela nossa ignorância e cegueira habituais. E viva a homogeneização. A unanimidade, para sempre burra. Parece-me tudo tão brega quanto a abertura desta novela. Ainda bem que o mundo é mais colorido e diversificado do que esta cor sépia e chapada.
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1 Palavrinhas:

Anônimo disse...

Como não concordar com sua lúcida observação! Pois é.