sexta-feira, 25 de julho de 2014

"Papai, agora eu já estou muito grande"

quando na vida os dias acumulam perdemos bastante das inúmeras possibilidades que teimamos em construir em nós. às vezes, ficam apenas os escapes, quase fugas próximas à loucura domada do dia-a-dia. na idade de quatro-cinco anos, que Poeminha agora atravessa, tudo é possível, tudo já existe::: "papai, agora eu já estou muito grande e eu sou um nadador, um pianista, um baterista, um estudante, um pulador". e penso que esse mundo largo existe não apenas porque essas atividades-seres fazem parte do dia-a-dia de Poeminha. quando tudo nos falta na infância, o pensamento é também largo e solto e os mundos imaginários são tantos que não cabem apenas no dia e, à noite, teimamos com o sono para nos imaginar numa vida outra, num lugar outro, num tempo outro. 

descubro muito sobre a minha própria infância observando a infância do Poeminha. e descubro ainda mais sobre a minha mãe tentando ser uma outra mãe. pressinto agora que talvez não pudesse ter sido de outro jeito, embora o que agora se repete - ou que eu tente repetir - seja o avesso. mas o avesso tem muitos matizes. e por um milionésimo de segundo, fico quase igual. e o desamparo só não é maior porque Poeminha, sim, é totalmente outro e tem mais amparo emocional para reivindicar o que lhe parece justo::: "se você continuar dizendo isso, eu vou querer outra mãe". acho muito justo querer outra mãe diante de uma mãe numa derrapada bem idiota. então, na dose diária de perdão que aplicamos a nós mesmos para podermos prosseguir, senti uma certa tranquilidade que adveio da coragem de Poeminha. a mesma coragem que fez ele, logo nos primeiros dias de aula, dizer: "Professora, se você gritar comigo, eu nunca mais volto nessa escola".    

e não. Poeminha não é um menino fichado por estas marcas tão facilmente impressas pelos adultos. não é "mimado", nem "mal educado", nem "birrento". a cada vez que ele mesmo grita, ou bate, ou esperneia (sim, crianças fazem isso!), é sempre chamado à "razão". e os interditos são claros e, às vezes, irrevogáveis. e ele tem que conviver com isso. tem sempre um: "filho, respire, respire" que, antes, funcionava bem. agora, ele afasta de si sua personalidade tranquila e rebate: "não, eu não quero respirar". e de novo e de novo é preciso recomeçar o longo caminho das condutas sociais. facilita, com certeza, seu jeito calmo e carinhoso. Poeminha abre o sorriso tão fácil que desarma qualquer um em segundos. e sabe beijar, abraçar e dizer que ama. e no entanto, está mais para a timidez do pai do que para a extroversão da mãe. a diferença, e é desse avesso que me orgulho - é que ele é um menino que sabe argumentar e que pode dizer "não", pode se contrapor, pode dizer que não quer gritos nem reprimendas violentas simplesmente porque isso não faz parte do seu dia-a-dia. 

facilmente, como mãe, eu poderia me "aproveitar' da personalidade do Poeminha e impor mais ordem, mais modos de conduta condizentes com o que as pessoas chamam de boa educação, mas eu simplesmente acho tudo isso muito chato. crianças bem educadas me parecem sempre crianças infelizes. não quero exibir a boa educação do Poeminha como um troféu. e com isso correr o risco de flagrá-lo com vontade de dizer ou fazer algo e, antes, ter que olhar para mim com temor e só aí decidir se pode dizer ou fazer algo. prefiro que seja como é agora - quando todos dizem que ele é ainda mais "comportado" longe de mim do que quando está perto.   
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1 Palavrinhas:

Marie disse...

"se você continuar dizendo isso, eu vou querer outra mãe", "Professora, se você gritar comigo, eu nunca mais volto nessa escola", "não, eu não quero respirar"... adoro!!! Quelle maturité et liberté, c'est bon de voir des enfants réagirent ainsi, si intelligemment, et de voir leurs parents les respecter !! Queria conhece-lo...
Saudade e beijos