segunda-feira, 27 de outubro de 2014

que povo eu quero ser na face tranquila de meu filho



paulistano não dá carona nem que esteja uma chuva de cair mundo e seja apenas por dois quilômetros e alguma coisa (mesmo que tenha acabado de beber umas cervejas com você). francês beija seu rosto numa distância de passo largo. e se retrai diante de qualquer gesto que esboce alguma intimidade. para nordestino, mocinha de bermuda curta e batom vermelho é puta e negro é preto, e se benze quando vê um logo de manhã. e todo vilhenense é evangélico e homofóbico. 

meu ex-namorado nascido e criado em são paulo desviava mais de duas horas e meia do seu caminho para dar carona a todos os seus amigos num fiatzinho que cabiam até oito pessoas. minha amiga ruiva parisiense com seu namorado dá a cama deles para eu dormir por uma semana, alojando-se, eles, na sua sala minúscula. minha madrinha que se benzia de manhã só guardava um prato de comida para o "nego Dedé" e que ninguém botasse a mão porque era dele.  e, por lá, ai de quem disser que alguém conhecido é puta. e preto. mesmo que sejam preto e puta, como se é e não se é. no bar de maior movimentação em Vilhena, onde vai toda a moçada jovem, hetero, branca e bem nascida, como se poderia dizer, e se diz, os gays se agarram, se beijam, começam e terminam relacionamentos, assim como deve ser. e meu filho é vilhenense e vai sempre ser. e "marca X" de desaprovação pra bisavó que diz que tatuado não vai pro céu. e esta mesma bisa acha tão bonito o moço tatuado. e tão bom.  e este mundo pequeno, que é o de todos nós, desmente qualquer verdade que possa ser verdade nas "grandes linhas" mal escritas acima.

e são paulo é cinza e feia. e tem os espetáculos mais "fodas" que eu já tive o prazer de ver com assombro no olho. porto velho é também suja e feia, se comparada a vilhena e mesmo sem comparação, e foi lá que vivi os anos mais doidos e lindos da minha vida e conheci as pessoas mais fantásticas. campinas já foi a cidade mais perigosa do Brasil. e quando era, eu e minha melhor amiga entrançávamos as pernas alta madrugada bem no seu centro, onde morávamos, e nunca recebemos nem cantada, quanto mais assalto. e paris é uma cidade super segura. e o ladrão levou minha mochila - com todos os meus equipamentos - mal eu pus os pés lá. e é também uma cidade fria e cinza, e lá me sinto em casa, como se minha casa fosse. e vilhena é um grande condomínio de casas luxuosas. e nossa casa é amarelo desbotado, cheia de vida dentro dela, onde um menino Poeminha aprende a crescer. 

que sentidos podem ter os atributos em grande escala, se o que vivenciamos e guardamos em nós é o micro, o pequeno, a miudeza, o gesto mais bonito, mais doce? se, de fato, o que se tem é o que se vive? pra que me interessariam o sujo, o feio, o cinza, se o que guardo em mim é o que vivi e vivo em cada uma dessas cidades, com cada uma destas pessoas?

é por estas e outras que levar a sério os estereótipos, alimentá-los, vociferá-los nas redes sociais, não me faz sentido algum. quem faz sentido é soldado, não é mesmo assim que diz o poeta?. o que interessa, o que deveria interessar, é o mano a mano, o olho no olho. o que estabelecemos de afeto - e de desafeto - com o outro. o outro igual. e o outro diferente de nós.  nestas eleições, é verdade, a prova foi dura. chegamos nela como o país cordial que fez da copa do mundo, contra todos os diagnósticos, um sucesso de gente alegre, sorridente e hospitaleira e saímos dela como um país dividido e retumbantemente preconceituoso. mas será mesmo?  que povo somos::: o da copa do mundo ou o das eleições presidenciais 2014? e se formos os dois? e se não formos nenhum? e se formos esta contradição? nem anjos nem demônios? este gesto impróprio e tão próprio de se benzer de manhã e guardar o prato de comida à tarde? será que já fomos um país de povo cordial? ou deixamos mesmo de sê-lo? inventamos o ódio e o desamor em pouco mais de três meses? ou misturamos o amor, o ódio, o desamor, em pouco mais de três meses? eu não tenho resposta alguma. eu estou meio assustada, meio como todo mundo. ainda mais porque acabei de fazer quarenta anos. e fazer quarenta anos é quando é preciso admitir que a juventude ficou definitivamente pra trás há muito tempo. 

mas sei que a vida não cansa de me dizer que é o um, é o sujeito, com suas contradições, que deveria nos apetecer. que povo eu vou querer ser, é a grande questão; com que povo eu vou querer me acompanhar. e é com este mesmo. este nem anjo nem demônio, porque o céu e o inferno são o solo que pisamos todos os dias. é só o que sei. o brasil que sou, e que quero comigo, é esta face tranquila do meu filho. é a parte que me cabe. e agora, que a juventude já passou há muito tempo, só me resta cuidar desta parte antes que a morte venha e me leve tudo. 
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dedico esta postagem as minhas amigas Lili e Rô, que me deram uma bonita festa de 40 anos, de onde, mais uma vez, eu não queria sair, embora já passasse, há muito, da hora.   



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

feliz aniversário, Poeminha


Poeminha, teria sido "revolucionário". e teria sido igualmente lindo se o "motivo" de sua festa tivesse sido a Peppa, a porquinha rosa. considerei seriamente o seu primeiro desejo. mas no esforço de pensar no tanto que teríamos que pedir perdão por ofender o imaginário de algumas pessoas tão amadas, como, por exemplo, sua Bibi, apresentei-lhe outras opções. e você se apaixonou de imediato pela ideia de ser Frida, a do livro, a pintora que tem uma amiga imaginária chamada Frida e que vence as dores sendo artista, como o Barbouille, que nosso amigo Juliano lhe deu. você explicou que queria a Frida... e os carros, e a pintura, e a Peppa - tudo colorido. Inclusive rosa? perguntou a moça linda que compôs o colorido da sua festa. e sem titubear, respondemos que sim::: até o rosa. e o azul o vermelho o verde. as cores de Frida. e na manhã da festa, você carregou para a casa da tia Rô como que com mil mãos todos os seus bonecos - o macaco da Croácia, o Wood, o ursinho branco dado pelo tio Celso, o elefante azul, o homem aranha. disse-me que eles não podiam perder a sua festa. e enquanto conversava, buscava lugar para seus bonecos. perdi o momento em que você percebeu que eles não eram bem vindos. que o banco onde eles foram acomodados por você deveria ficar vazio. queria não ter perdido esse momento, filho. eu teria dito que eles eram bem vindos. 

deu um sono danado em você minutos antes da festa, como que desencantado com a ideia de apenas Frida ter lugar. me explicou a razão. você queria todos. havia convidado a todos. porque só os bonecos da Frida estão lá? eles vão se sentir sozinhos". e vestiu enfezado a roupa. e depois recusou-se a vestir a roupa que realmente seria a da festa. e tirou os sapatos assim que se reconciliou com o pula-pula. e ficou suado demais. e recusou-se a tirar fotos (só a sua avó Dila, com algum pó de pirlimpimpim conseguiu algumas poses). mas ficou inteiramente feliz quando viu que estavam, de algum modo, todos por ali, todo o seu imaginário, todas as pessoas que você mais ama e mais algumas outras que vieram simplesmente brincar com você e distribuir um tanto de presentes, como se Natal fosse! Perguntado pela tia Lili se estava gostando da sua festa, você soltou uma das suas lindezas::: "sim. a minha festa está cheia de vida". 

não fui eu que inventei o seu amor pela Frida, filho. faz mais de um mês que você me pede todas as noites para ler a história de Frida. eu apenas fui a ponte. é este lugar que quero ocupar na sua vida. só este, talvez. sinto que repito o gesto que um dia já fiz com minha princesaamada Jéssica, quando lhe dava as coleções de Harry Porter e, junto, um livro de Kafka e Dostoievski. não quero lhe negar nada. nem a Peppa nem o sabor do açúcar. mas tenho pressa em lhe mostrar o que demorei demais a saber que existia. e que soube também por meio de pessoas. nada saberia de música se não fosse o meu amigo Binho, nada saberia que existem diferenças entre livros se não fosse Marisa Khalil. e não fiz a festa por vaidade. se fosse, teria feito a de um, dois, três anos, quando você nem entendia o que exatamente era uma festa de aniversário. fiz porque você me pediu diversas vezes e porque sua tia-avó Juju veio me ajudar. se saiu bonita, e se foi excessiva, como alguém que nos diz respeito me disse, é porque há excesso em sua mãe. e excesso na tia Juju. gostamos da beleza. e não sei contar centavos. nem reais. quando me dedico a algo, fico querendo que seja tudo do bom e do melhor, como se diz por lá, de onde vim. 

Poeminha, quero crer que nada em mim é da ordem do parecer-querer-ser. sempre fui a ovelha negra da família, como naquela música que você já ouviu por aqui. sempre fui a mais "doidinha" a mais desorganizada financeiramente a mais parecida com o meu pai a que mais bebe a que dá risadas nas horas mais impróprias a que chora com todo o corpo a que defende suas posições de forma extremada a que mais teve namorados "esquisitos" etc. etc. etc.. vou contar dois fatos, Poeminha, que aconteceram comigo antes do seu pai e de você existirem::: quando acharam que finalmente eu ia casar com um bom-moço intelectual e sensível, eu o troquei por um "mauricinho branquelo paulistano nada intelectual" (um dia você vai saber o que são todos estes estereótipos juntos) que depois me trocou por outra e esqueceu de me avisar por um bom tempo (provavelmente, você também vai saber o que é isto, filho!); e quando acharam que eu ficaria naquele emprego de tão bom salário, eu o larguei para ser estudante bolsista da Capes. e se o fiz, filho, é porque me dói viver pela metade, querer pela metade. tenho medo de ficar para sempre num mesmo lugar, com a boca cheia de dentes, sorrindo amarelo. prefiro quebrar todos os dentes.

e apesar de tudo, ou por causa disso tudo, acho que sou bem amada, filho, por aqueles que aprenderam a lidar com este meu jeito. pergunte as minhas irmãs. elas entendem um bocado de amor, porque amam o seu avesso, que sou eu. e, sabe, não deveria lhe dizer nada disso quando deveria estar falando da lindeza que foi sua festa de cinco anos. quando você crescer, vai entender o que é um contra-discurso. é o que faço agora. não rebato o seu discurso, porque o seu, nos mínimos gestos, é de mais puro amor. é que me doeu o que já ouvi. é porque não quis com sua festa mostrar a ninguém que estava feliz. nossos amigos mais queridos, e mesmo as pessoas que visitam minhas palavras neste nenhum-lugar,  sabem que sua mãe não anda muito feliz. mas se houve a sua festa tão linda, é porque penso que é preciso caçoar um pouco da dor, é preciso aplicar doses grandes de felicidade no meio da tristeza mais profunda. é preciso dar risada para não esquecer do seu som quando ela vier realmente em toda sua inteireza. 

(acho lindo o que um dia ouvi de uma amiga, caçoando dos que ficavam tristes em Paris: "tá tristinha, minha filha? vai ali dar uma voltinha no Louvre". isto de oferecer algo maior à grandeza de uma dor. Pois eu sou esta pessoa, filho, que vai ao Louvre; que tristinha enche uma festa de cores. para fazer recuar o preto e branco da existência. e chegar perto da cor do ser vivo.

e como foi lindo seu aniversário de cinco anos! lindo mesmo. faltaram garçons, filho! e faltou um fotógrafo. e na loucura dos preparativos, esqueci de convidar algumas pessoas bem bacanas. sou uma amadora, filho. sempre serei. e uma amadora, mesmo com mania de perfeição, sempre esgarça algum fio da seda mais brilhante. então, não faltou nada. eu e seu pai estávamos lá. estavam lá sua avó e seu avô, pais do Tatupai. minha tia Fá e sua tia Maneca (que é "mole" pra sair de casa, como eu disse e você me dedurou!), sua Bibi e um tanto de primos que você nem imaginava ter. e nossos amigos. e não tão amigos, mas tudo gente boa com crianças como você em casa e ainda outras que eram só gente boa. e a festa foi na casa da tia Rô, que antes de nos conhecer não participava de festa alguma. olha que bonito, filho! não havia espaço na nossa casa para as pessoas todas que queríamos convidar. e Tatupai teve a ideia de ser na casa da sua tia Rô, que nem é sua tia, mas que você ama como se assim fosse. e ela aceitou e o tio Inildo aceitou. e só depois lembraram/ lembramos que tia Rô não gosta de festa de aniversário. esta é uma boa tradução de amor, não esqueça::: fazer um movimento que não lhe é próprio e que se transforma em "próprio" por causa de um outro: a vinda dos seus avós de Maringá, tia Juju ser a "maestra" de tudo, tia Maneca pôr a sua "moleza" de lado e pegar o ônibus e vir até aqui, a tia Rô esquecer que não gosta de festa, toda as gentes que suspenderam suas vidas por algumas horas para estar ali, na sua festa. tudo isso é amor. 

*** preciso ainda lhe contar a última história desta noite tão linda::: no finzinho da tarde, quando ainda nem havia festa, surgiram dois meninos no portão, perguntando se podiam ir no pula-pula que havíamos montado para sua festa. dissemos que sim. entraram sem-cerimônia e foi grande a alegria. um deles, o menorzinho, o mais descolado, perguntou depois se podia participar da festa. dissemos novamente que sim. ele foi em casa e voltou "banho tomado, roupa trocada".  e ficou durante toda a festa. seu nome é Gustavo. ele dá cambalhotas sensacionais e perigosas no pula-pula, vez em quando xinga e dá sopapos. ele quis todas as "sacolinhas" e docinhos só para ele. ele abre um sorriso lindo e desconfiado quando os adultos tentam ordenar as suas ações. ele foi nosso convidado penetra, Poeminha. foi nossa Peppa. guarde isto. guarde apenas isto:: o não medo de se convidar. de pedir o que deseja. o menino Gustavo apareceu para isto, Poeminha: para nos doar cambalhotas espetaculares. para nos doar seu sonho de participar de uma festa toda cor. vamos esquecer não o que ele nos deu, mesmo  que nunca mais o vejamos. nem disto nem do gesto da tia Juju. nem do esforço do Tatupai de estar a postos para tudo fazer. sem esses gestos, não haveria festa. nem cor. nem gargalhada. porque tem muitas coisas que eu só sei fazer com a ajuda de outros. 

eu te amo. amo amo amo. isto eu sei por inteira. feliz aniversário, Poeminha. atrasado. do dia 24 de setembro até o dia 18 de outubro, foi um bocado de dias. sim, eu me atraso, vez sim, vez não. vez.
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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

para o filho



 Poeminha, ontem foi o dia das crianças (você já percebeu que existem estas datas instituídas e já sabe valer-se delas para, entre meus joelhos, apontar o que quer e repetir repetir repetir até a coisa se materializar). eu sou muito vacilona neste sentido. faço o discurso que é caro, mas compro. e foi assim sábado. entrei naquela loja cheia de prazeres e me deu uma dor grande bem no meio da minha garganta. teve uma hora que meus olhos marejaram muito e só não me permiti sentir o sal no canto do lábio porque seria um despropósito, ali, no meio daquela gente toda. é que lembrei daquela criança que talvez eu nunca tenha sido, mas que colei aqui como parte da minha identidade. fiquei meio tonta, acho. mas você não percebeu nada. e saiu de lá com o mundo cor de rosa nas mãos. tenho adorado isto. é marketing puro. mas é uma porquinha (mulher), rosa, que tem destruído anos e anos da distinção azul-menino, rosa-menina. queria que quando você crescesse já estivesse tudo misturado, filho. 


mas está difícil. o mundo está turvo demais, poeminha. bastou uma campanha eleitoral para presidente para disparar ódios que já pareciam soterrados, mas que, na verdade, sempre estiveram na superfície, à beira de. "um horror, um horror". você também logo vai saber que uso esta expressão extraída de um livro maravilhoso a cada vez que me faltam palavras para expressar alguma terrível surpresa que me domina e nos domina. sua mãe, eu, pressentia isso há tempos. acho que por ter sido desde sempre "diferente", filho, logo quis aprender a estar do lado do "diferente".  e comecei a ver como isso chocava até mesmo algumas pessoas que me pareciam tão bacanas. eu não sou fácil não, filho. às vezes, lanço uma mão pesada sobre pessoas bem amadas por mim. mas nunca, nunca por uma razão genérica. tem sempre a ver com o que me parece um "cuidado". tenho medo, e logo você vai saber, de uma desconexão parcial ou total com uma certa disciplinarização. porque eu acho que sou bem assim::: não me desprendo da disciplina, apesar de gostar dos devaneios, das luzes fugazes das longas noites. então, quando sinto que alguém amado afasta-se deste "cuidado de si" (algo bem mais bonito do que "disciplinarização"), eu me enfezo e me dano a querer cuidar, sem saber fazê-lo de jeito nenhum. mas o certo é que você nunca vai ouvir neste mundo que é nosso, na nossa casa, ódios genéricos. preto branco gay pobre nordestino nada disso existe aqui como raça como classe como origem. o que existem são pessoas. pessoas que amamos, pessoas que quero que você aprenda a amar, por mais que não tenham em si esta mania de ordenação que me persegue. é porque bom é isto. o outro que não é igual a nós a ensinar-nos outra via, outro vão. 

mas então.  o que eu estava dizendo era que ontem foi o dia das crianças. e o momento mais bonito foi você quem nos deu. sua tia-avó Juju, que você aprendeu a amar nos dias que esteve com elas - as tias-avós, a avó, o avó, a bisavó, o tio-avô -, está aqui. e adivinhe::: veio para me ajudar a organizar seu aniversário de cinco anos, que já passou, mas que não pode passar em branco como nos outros anos. olha que sorte, filho! tanta gente me aponta o dedo, machuca minha ferida, pela minha tola incapacidade de fazer uma festa de aniversário do jeito que você merece, e de repente aparece esta sua tia-avó, a mesma que fez seu enxoval, e simplesmente diz que vai me ajudar, que está vindo, mais de mil quilômetros, sem que eu peça, para fazer a festa junto comigo. filho, que sorte, que sorte a nossa. 

pois ontem ela fez o almoço do dia das crianças. e ante nossa pressa de almoçar, fez um agradecimento na mesa. e acatamos este agradecimento. e  você acatou. e foi aí que aconteceu o momento mais bonito. você agradeceu e começou a nomear várias pessoas, a bendizer várias pessoas que lhe são amadas: júnior zé consuelo sua avó e outros tantos. fiquei de novo com o olho marejado. mas desta vez foi por pura felicidade. sem se dar conta do que fez, por lhe parecer tão natural, à noite, depois de ficar por aqui, me vendo trabalhar, ainda pegou o violão enferrujado do Tatupai e ficou tocando e cantando. e volta e meia vinha e me perguntava como era tal palavra em francês. e eu não lembro de haver lhe dito que estava, justamente, fazendo uma tradução em francês. que dia, poeminha, que dia você me ofertou. obrigada, filho, obrigada. não estive à altura do que você me deu, mas prometo tentar me redimir no próximo sábado, quando seu aniversário vai acontecer, longe do azul, perto do vermelho. vermelho da Frida, por quem você está mais do que apaixonado. mas isso já é outra história que prometo contar depois. 
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só mais uma coisa. o que eu desejo, sobretudo, é lhe ensinar que existem estas tantas cores. esta cor forte chamada vermelho. que pode se misturar com o verde o azul o amarelo o rosa o azul. e quero ensinar o que, pressinto, você já sabe.
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terça-feira, 7 de outubro de 2014

sobre o sell 2014

hoje colocamos quadros na parede. ou melhor, Tatupai, sob a minha supervisão. também dei uma organizada nos livros (no que ainda é possível, pois a urgência de novas estantes já é visível há tempos). e ontem, depois de almoçarmos com o Yuji (esta belíssima pessoa!) e após votar (em Dilma, diga-se de passagem), avancei na noite lendo O que amar quer dizer, de Mathieu Lindon. tenho uma lista tão grande de "livros para ler sem ter razões para lê-los", isto é, livros que nada têm a ver com a docência e a pesquisa, que aproveito sempre estes momentos de "quietude" e "escape" para ler algum deles. 

"quietude" e "escape" foram palavras que utilizei para explicar a minha amiga Rô a razão por que sempre me retraio depois de um grande "projeto", como o do SELL - Seminário de Estudos Linguísticos e Literários! é por isso que ontem foi quietude e hoje, organização; minhas formas de escape. tenho em mim qualquer coisa que se poderia chamar de "compulsão por eventos". a cada ano, crio e recrio a coordenação de um. em seis anos de UNIR, foram seis eventos acadêmicos::: quatro edições do SILIC, uma edição do FALE e, neste ano, o SELL. a cada ano, dá vontade de parar. e a cada ano, vontade de continuar. posso atribuir o mesmo "mal" a minha amiga Rô. fomos sempre parceiras nesta compulsão. 

neste ano, tenho a impressão de ter sido mais difícil. talvez porque pisasse em território desconhecido. o SILIC é nosso, do Gepec - Grupo de Pesquisa em Poética Brasileira Contemporânea. todo e qualquer problema, toda e qualquer desdita, todo e qualquer contratempo são da ordem do entendimento, da soltura. é uma ação de amigos. já o SELL tinha o peso do cargo. foi como chefe de Departamento que me lancei nesta empreitada. e foi como chefe que respondi a todos os problemas que surgiram. e foram muitos problemas. fiquei com medo de que ele ficasse sem alma. mas só tive este receio por pouco tempo. 

quando estava começando a organizar, veio o luto e, mais a frente, o medo de perder um dos meus grandes amigos. foi assim que, muitas vezes, tive raiva de ter me metido nesta. queria viver meu luto em paz. e queria cuidar do meu amigo. ou seja, toda a minha alma já estava neste evento. o que me sobrava era imprimir a emoção; a mesma que é a marca registrada desses eventos todos. e não foi difícil. no aeroporto de Guarulhos, no meio do caminho para enterrar ser tão amado, escrevi o texto para mediar a ideia desta edição. desencavei o verso "o que quer/ o que pode esta língua?", de Caetano. estava inteira naquelas poucas palavras. quantas histórias minhas coloquei ali? e quantas histórias renderam este verso de Caetano? 

serei sempre grata a Wanderley Geraldi, a Veronica Stigger, a Pedro Serra, ao Alvaro Hatther, ao Yuji Gushiken, a Marcia, às meninas das monografias (foi lindo, lindo!) e mais um tanto de gente por terem desdobrado o verso de Caetano e terem feito um SELL tão cheio de emoção, de alegria. é isto mesmo. as palavras são estas. as emoções são estas. e é dessa rasura que eu gosto. enxertar no meio do academicismo uma onda que faça ressoar toda a entrega que é necessária para que um evento como este aconteça.
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foi bonito como tinha que ser. este trabalho em parceira que eu e Rosana inventamos é sempre da ordem da boniteza. foi diferente não este ano. "há marcas em mim no SELL. e há marcas do SELL em mim", foi o que disse na abertura. e esta é uma das muitas bem-aventuranças.
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