segunda-feira, 20 de outubro de 2014

feliz aniversário, Poeminha


Poeminha, teria sido "revolucionário". e teria sido igualmente lindo se o "motivo" de sua festa tivesse sido a Peppa, a porquinha rosa. considerei seriamente o seu primeiro desejo. mas no esforço de pensar no tanto que teríamos que pedir perdão por ofender o imaginário de algumas pessoas tão amadas, como, por exemplo, sua Bibi, apresentei-lhe outras opções. e você se apaixonou de imediato pela ideia de ser Frida, a do livro, a pintora que tem uma amiga imaginária chamada Frida e que vence as dores sendo artista, como o Barbouille, que nosso amigo Juliano lhe deu. você explicou que queria a Frida... e os carros, e a pintura, e a Peppa - tudo colorido. Inclusive rosa? perguntou a moça linda que compôs o colorido da sua festa. e sem titubear, respondemos que sim::: até o rosa. e o azul o vermelho o verde. as cores de Frida. e na manhã da festa, você carregou para a casa da tia Rô como que com mil mãos todos os seus bonecos - o macaco da Croácia, o Wood, o ursinho branco dado pelo tio Celso, o elefante azul, o homem aranha. disse-me que eles não podiam perder a sua festa. e enquanto conversava, buscava lugar para seus bonecos. perdi o momento em que você percebeu que eles não eram bem vindos. que o banco onde eles foram acomodados por você deveria ficar vazio. queria não ter perdido esse momento, filho. eu teria dito que eles eram bem vindos. 

deu um sono danado em você minutos antes da festa, como que desencantado com a ideia de apenas Frida ter lugar. me explicou a razão. você queria todos. havia convidado a todos. porque só os bonecos da Frida estão lá? eles vão se sentir sozinhos". e vestiu enfezado a roupa. e depois recusou-se a vestir a roupa que realmente seria a da festa. e tirou os sapatos assim que se reconciliou com o pula-pula. e ficou suado demais. e recusou-se a tirar fotos (só a sua avó Dila, com algum pó de pirlimpimpim conseguiu algumas poses). mas ficou inteiramente feliz quando viu que estavam, de algum modo, todos por ali, todo o seu imaginário, todas as pessoas que você mais ama e mais algumas outras que vieram simplesmente brincar com você e distribuir um tanto de presentes, como se Natal fosse! Perguntado pela tia Lili se estava gostando da sua festa, você soltou uma das suas lindezas::: "sim. a minha festa está cheia de vida". 

não fui eu que inventei o seu amor pela Frida, filho. faz mais de um mês que você me pede todas as noites para ler a história de Frida. eu apenas fui a ponte. é este lugar que quero ocupar na sua vida. só este, talvez. sinto que repito o gesto que um dia já fiz com minha princesaamada Jéssica, quando lhe dava as coleções de Harry Porter e, junto, um livro de Kafka e Dostoievski. não quero lhe negar nada. nem a Peppa nem o sabor do açúcar. mas tenho pressa em lhe mostrar o que demorei demais a saber que existia. e que soube também por meio de pessoas. nada saberia de música se não fosse o meu amigo Binho, nada saberia que existem diferenças entre livros se não fosse Marisa Khalil. e não fiz a festa por vaidade. se fosse, teria feito a de um, dois, três anos, quando você nem entendia o que exatamente era uma festa de aniversário. fiz porque você me pediu diversas vezes e porque sua tia-avó Juju veio me ajudar. se saiu bonita, e se foi excessiva, como alguém que nos diz respeito me disse, é porque há excesso em sua mãe. e excesso na tia Juju. gostamos da beleza. e não sei contar centavos. nem reais. quando me dedico a algo, fico querendo que seja tudo do bom e do melhor, como se diz por lá, de onde vim. 

Poeminha, quero crer que nada em mim é da ordem do parecer-querer-ser. sempre fui a ovelha negra da família, como naquela música que você já ouviu por aqui. sempre fui a mais "doidinha" a mais desorganizada financeiramente a mais parecida com o meu pai a que mais bebe a que dá risadas nas horas mais impróprias a que chora com todo o corpo a que defende suas posições de forma extremada a que mais teve namorados "esquisitos" etc. etc. etc.. vou contar dois fatos, Poeminha, que aconteceram comigo antes do seu pai e de você existirem::: quando acharam que finalmente eu ia casar com um bom-moço intelectual e sensível, eu o troquei por um "mauricinho branquelo paulistano nada intelectual" (um dia você vai saber o que são todos estes estereótipos juntos) que depois me trocou por outra e esqueceu de me avisar por um bom tempo (provavelmente, você também vai saber o que é isto, filho!); e quando acharam que eu ficaria naquele emprego de tão bom salário, eu o larguei para ser estudante bolsista da Capes. e se o fiz, filho, é porque me dói viver pela metade, querer pela metade. tenho medo de ficar para sempre num mesmo lugar, com a boca cheia de dentes, sorrindo amarelo. prefiro quebrar todos os dentes.

e apesar de tudo, ou por causa disso tudo, acho que sou bem amada, filho, por aqueles que aprenderam a lidar com este meu jeito. pergunte as minhas irmãs. elas entendem um bocado de amor, porque amam o seu avesso, que sou eu. e, sabe, não deveria lhe dizer nada disso quando deveria estar falando da lindeza que foi sua festa de cinco anos. quando você crescer, vai entender o que é um contra-discurso. é o que faço agora. não rebato o seu discurso, porque o seu, nos mínimos gestos, é de mais puro amor. é que me doeu o que já ouvi. é porque não quis com sua festa mostrar a ninguém que estava feliz. nossos amigos mais queridos, e mesmo as pessoas que visitam minhas palavras neste nenhum-lugar,  sabem que sua mãe não anda muito feliz. mas se houve a sua festa tão linda, é porque penso que é preciso caçoar um pouco da dor, é preciso aplicar doses grandes de felicidade no meio da tristeza mais profunda. é preciso dar risada para não esquecer do seu som quando ela vier realmente em toda sua inteireza. 

(acho lindo o que um dia ouvi de uma amiga, caçoando dos que ficavam tristes em Paris: "tá tristinha, minha filha? vai ali dar uma voltinha no Louvre". isto de oferecer algo maior à grandeza de uma dor. Pois eu sou esta pessoa, filho, que vai ao Louvre; que tristinha enche uma festa de cores. para fazer recuar o preto e branco da existência. e chegar perto da cor do ser vivo.

e como foi lindo seu aniversário de cinco anos! lindo mesmo. faltaram garçons, filho! e faltou um fotógrafo. e na loucura dos preparativos, esqueci de convidar algumas pessoas bem bacanas. sou uma amadora, filho. sempre serei. e uma amadora, mesmo com mania de perfeição, sempre esgarça algum fio da seda mais brilhante. então, não faltou nada. eu e seu pai estávamos lá. estavam lá sua avó e seu avô, pais do Tatupai. minha tia Fá e sua tia Maneca (que é "mole" pra sair de casa, como eu disse e você me dedurou!), sua Bibi e um tanto de primos que você nem imaginava ter. e nossos amigos. e não tão amigos, mas tudo gente boa com crianças como você em casa e ainda outras que eram só gente boa. e a festa foi na casa da tia Rô, que antes de nos conhecer não participava de festa alguma. olha que bonito, filho! não havia espaço na nossa casa para as pessoas todas que queríamos convidar. e Tatupai teve a ideia de ser na casa da sua tia Rô, que nem é sua tia, mas que você ama como se assim fosse. e ela aceitou e o tio Inildo aceitou. e só depois lembraram/ lembramos que tia Rô não gosta de festa de aniversário. esta é uma boa tradução de amor, não esqueça::: fazer um movimento que não lhe é próprio e que se transforma em "próprio" por causa de um outro: a vinda dos seus avós de Maringá, tia Juju ser a "maestra" de tudo, tia Maneca pôr a sua "moleza" de lado e pegar o ônibus e vir até aqui, a tia Rô esquecer que não gosta de festa, toda as gentes que suspenderam suas vidas por algumas horas para estar ali, na sua festa. tudo isso é amor. 

*** preciso ainda lhe contar a última história desta noite tão linda::: no finzinho da tarde, quando ainda nem havia festa, surgiram dois meninos no portão, perguntando se podiam ir no pula-pula que havíamos montado para sua festa. dissemos que sim. entraram sem-cerimônia e foi grande a alegria. um deles, o menorzinho, o mais descolado, perguntou depois se podia participar da festa. dissemos novamente que sim. ele foi em casa e voltou "banho tomado, roupa trocada".  e ficou durante toda a festa. seu nome é Gustavo. ele dá cambalhotas sensacionais e perigosas no pula-pula, vez em quando xinga e dá sopapos. ele quis todas as "sacolinhas" e docinhos só para ele. ele abre um sorriso lindo e desconfiado quando os adultos tentam ordenar as suas ações. ele foi nosso convidado penetra, Poeminha. foi nossa Peppa. guarde isto. guarde apenas isto:: o não medo de se convidar. de pedir o que deseja. o menino Gustavo apareceu para isto, Poeminha: para nos doar cambalhotas espetaculares. para nos doar seu sonho de participar de uma festa toda cor. vamos esquecer não o que ele nos deu, mesmo  que nunca mais o vejamos. nem disto nem do gesto da tia Juju. nem do esforço do Tatupai de estar a postos para tudo fazer. sem esses gestos, não haveria festa. nem cor. nem gargalhada. porque tem muitas coisas que eu só sei fazer com a ajuda de outros. 

eu te amo. amo amo amo. isto eu sei por inteira. feliz aniversário, Poeminha. atrasado. do dia 24 de setembro até o dia 18 de outubro, foi um bocado de dias. sim, eu me atraso, vez sim, vez não. vez.
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1 Palavrinhas:

Anônimo disse...

Deixe eu falar do seu poeminha?
Um dia um menino bonito e inteligente brincou comigo, uma tarde quase inteira, de fazer barquinhos de papel e soltar nas poças-lagoas que se formaram na UNIR depois de uma chuva. Como foi bom rir depois de um dia cansativo! Um outro dia que eu estava sozinha, esse menino foi comigo tomar sorvete! Foi sem cerimônia nenhuma e me deixou ficar alguns minutos desfrutando do seu solzinho particular.
Eu entendo o que a Rosana quer dizer quando diz: "Ele me conquistou", porque é isso que ele faz, conquista. (Lilian Hattori)