quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

de grande, nada sei.



no facebook todos tiveram um "grande ano". não sei por que lembrei de Fernando Pessoa. mas isso não importa agora. não me interessam os festins. disse algumas vezes - as vezes na lágrima, as vezes no choro que não saiu, as vezes bem alto e outras num silêncio absurdo - que este foi um ano "desgraçado". talvez disse isso mais para lembrar que nunca tive medo de palavras fortes do que propriamente para definir o ano em si. e ainda assim foi um ano bom em muitos sentidos (.....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................) houve as decisões -- as teimosias -- a vontade de não me deixar apenas seguir o curso -- os momentos bonitos. houve muito no que me agarrar. e na impossibilidade da ponte, o mergulho naquilo que poderia me salvar foi o mais definidor. pois um peso indefinido alastrou-se por tudo que poderia ter sido bom. e eu me perdi e tive que fazer muito esforço para me encontrar. e foi dolorido como fazia tempo que não era. e foi solitário. tive que me debater com muitas questões e somente agora talvez alguma possibilidade. tive que de novo e de novo pensar nesta falência de projetos comuns. nunca me pareceu tão difícil viver em comunidade.e ao mesmo tempo nunca foi tão esclarecedor sobre mim e sobre os outros  (.........................................................................................................................................................................................................................). achei que o ano em que fiz faz quarenta anos poderia ter sido mais generoso. mas como é mesmo que deve ser um ano ninguém sabe. e me anima pensar que talvez eu fracassei menos do que muitos daqueles que tiveram um "grande ano". pois não me faltou coragem para pensar em tudo que estava acontecendo. e eu só tenho medo de não saber entender. e eu não entendi muitas vezes. mas me esforcei em planos que fracassaram, em interpretações que não vingaram, em ..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................) e acho que só pode ser assim. este estar no mundo esfarrapado onde a vontade de persistir seja sempre maior do que qualquer outra vontade. (..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................) esta imagem aí de cima é uma imagem imperfeita. sem técnica. apontei a objetiva e disparei com a ajuda do automático. são os fundos do edifício copan. a parte menos glamourosa. e mesmo assim, as decisões de Niemeyer me impressionam enormemente. é um enorme paredão de vidro com divisórias de ferro. quem mora ali - imagino - pode num dia de dor profunda ou de alegria imensa encostar-se na transparência do vidro e sentir-se quase como que solto no ar. não há varanda. não há rede de proteção alguma. a transparência do fora. é preciso perder um bocado de medo para ter coragem de morar num lugar assim, é o que imagino. pois é como tenho visto o que vejo. tirei esta foto hoje à tarde. amanhã é 31 de dezembro. no próximo ano, a imagem talvez continue imperfeita. mas o que quero - dentre os tantas quereres - é que muito em breve possa existir a técnica. apontar a objetiva e disparar a partir do que eu aprender. é deste aprendizado que é preciso não abrir mão, é o que penso. (...................................................................................................................................................) e por pensar imagino um ano que vem mais alegre. uma alegria do estar atenta. não precisa ser "grande". mas que seja inteiro. e que as pontes sejam possíveis. e que tanto para mim como para o tatupai e para o poeminha seja um tempo bom, é o que desejo. com desejo.
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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

carta na janela à turma MEL 2014.2



fiquei pensando, enquanto voltava para casa, depois desta semana intensa, que havia muito ainda a dizer. o que eu não disse. o que vocês não disseram. isto do tempo. e da insuficiência das palavras. relembrei o que pensei como figura da disciplina::::  “A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras. Minha linguagem treme de desejo ... Falar amorosamente é gastar infinitamente, sem crise; é praticar uma relação sem orgasmo” (Barthes). e quase todo tempo foi isso para mim, acreditam? 

eu dou pouca importância para muita coisa na universidade. o famoso "cago e ando". e estou convicta de que a vida pede isto::::: um certo alheamento para o mundo-cão. viver de tal modo que apenas o que me interessa tenha importância. e a docência me interessa. tem muita importância, portanto. professora, eu penso na minha linguagem como uma forma de tocar o outro. porque sou professora de literatura. e literatura tem muita importância. literatura é onde se podem desfiar as linhas mais torpes e mais doces. é onde se pode falar amorosamente do outro, sobre o outro e onde também se pode morrer, matar, matar o outro. literatura é a linguagem do impossível. 

não sei se deu tempo de dizer a vocês que antes de ler literatura brasileira contemporânea, eu só lia italo calvino, graciliano, thomas bernhard, antonin artaud, kafka, dostoiévski e...  beckett, que descobri no meu penúltimo ano de doutorado. descobri muita coisa no doutorado, acreditem. descobri e/ou alicercei estas experiências-limites de ser leitora desses autores que nunca escreveram para nos dar paz. e vi certamente mais de quinhentos filmes nos quatro anos e não sei quantos livros li porque ainda não tinha a mania de listá-los. mas a lista, se existisse, seria enorme igualmente. listei também as peças de teatro, os shows... e não foram poucos. e os países não cabem nas minhas duas mãos. 

não digo isso para lhes dizer que este é o caminho. talvez diga para constituir uma imagem que eu acho bonita. que é a imagem do desejo. o desejo é o oposto da burocracia, do conveniente. então penso que tudo que fiz no tempo do doutorado é dessa ordem incerta do desejo. a tese é bonita, acreditem. sem que eu diga uma linha, diz muito de todas estas experiências. desta minha experiência de estar inteira para o mundo. não tenho dúvida de que em cada linha está dito::: é por amor que escrevo. e escrevi muito. trocava dias pelas noites. fechava janelas e acendia luzes nas tardes e assim, como um deus brincalhão, fazia com que as noites surgissem antes das noites. e me apaixonei loucamente pelo(s) sujeito(s) sobre o qual(is) escrevi. ainda hoje, quando me vejo num impasse, quando penso que talvez seja preciso estar mais atenta, menos alheia, é nele(s) que me guio. e daí não tenho medo algum. daí estou entregue às experiências de dizer. e dizer como quem acredita. como quem ama. uma amadora (é linda esta imagem do Barthes, já leram?). pois é preciso ler. e ler como nordestino/a. na calada da rede. não nesta rede midiática, mas nesta que range, que é preciso distorcer os punhos antes de nela deitar.
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e quando ensino, e estou no meio de uma turma como a de vocês, que vai passar pela experiência da escrita, da leitura, fico com vontade de espalhar estas incertitudes. de reafirmar toda a potência da experiência da pesquisa. da leitura. do pensar. do vivenciar. tenho vontade de sepultar a burocracia, o conveniente. tenho vontade de dizer: apenas amem. e cuidem de tudo que vier deste amor. se isso lhes trará sucesso, dinheiro, sossego, não vale a pena pensar agora. quanto a mim, posso dizer que trouxe o que eu já tinha em mim:::: desassossego e alegria [é também bonita a alegria barthesiana], vontades e um certo tédio, emoção e uma certa poção de descrença.

para esquecer - ou para intensificar - a experiência das nossas duas semanas, agora vou reler Em busca do tempo perdido - estes temidos sete volumes. Ou serão oito? na minha edição resumem-se a três. enormes catataus de três. e por que escolhi este catatau? porque fiz recentemente quarenta anos, porque a vida é uma narrativa escrita por nós mesmas.  e achei que seria bonito, quando ficasse velhinha, se eu ficar, dizer que reli Em busca do tempo perdido quando fiz quarenta anos. agora, tenho mais certeza de que foi a escolha certa. Proust será, nas próximas semanas, minhas armas. minhas armas de Jorge. conhecem? 

bem aqui, ó! >>>>>. assim mesmo, no improviso. caetaneamente. como tudo. feliz tudo pra vocês nos dias que virão.
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as imagens foram tiradas por mim, enquanto as crias de Nina, nossa "gata peluda", faziam de minha biblioteca um enorme parque de diversão. achei que tinha tudo a ver com o que eu queria dizer a vocês::: pesquisar, escrever, ler, quando passa pelo desejo, é como um parque de diversão. é só se deixar levar pelo ritmo desconcertante de algum brinquedo que gira, gira gira gir gi
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