terça-feira, 9 de junho de 2015

dos tempos




temporariamente, moro sozinha outra vez. sozinha, vírgula. tem a Nina, como antes havia Lady e Janis. aquele tempo foi tão bonito que não é possível fazer comparação. não era apenas a juventude. era uma crença muito grande nas pessoas --- em mim e na longueza da vida. mesmo nas pessoas mais egocêntricas que gravitavam ao meu redor, eu sentia a lindeza. e me alimentava dela. havia muita confiança em mim. no que eu podia fazer com meu tempo. e no que eu fazia com esse tempo. meus amigos eram os amigos mais bonitos do mundo. e cuidavam da minha insônia como quem cuida de quem precisa de pão. meu pão parecia ser aquilo que eu sorvia daquelas pessoas todas, ficando eu mesma bonita.


depois, foi o depois. há alguns anos, eu disse aqui que estava irremediavelmente sozinha. mas aí encontrei o Tatupai. e fizemos juntos o Poeminha. e aí eu virei esposa outra vez e virei mãe. achei tudo tão poderoso. só não foi comercial de margarina, porque não dá para acreditar em sabor da margarina. mas era tão bonito que me deixou em paz por um par de anos. agora que o par de anos passou, tentamos eu e Tatupai saber onde estamos. o que é bonito são as tentativas. aquele apego ao que em nós precisa um do outro. -------------------

--------------- quase não sinto dor. mas há dias que alguma esperança lateja. e sinto uma certa dor. porque não sei sentir esperanças.

meu alimento preferido nunca foi a esperança. sempre foi a beleza dos dias. tantos anos depois da doença que quase me matou, vejo bem que não senti medo ---- não senti medo pela razão errada, mas não senti. e isso importa muito. hoje tenho mais medo do que antes. porque não soube fazer o que deveria ter feito como uma sobrevivente. naquele tempo, eu tinha a certeza de tudo ter feito para viver bem. sem ainda conhecer a palavra, havia muito empoderamento naquilo que eu era. eu sentia que podia morrer --- e estaria em paz. eu ainda era a pessoa de dez anos antes que havia cumprido a promessa de tudo fazer para ser feliz -- dali em diante. dez anos haviam passado rápidos. e haviam sido muito poderosos. Tatupai, numa das longas noites, me disse que se ressentia do modo como eu havia dito na época que poderia morrer - e não seria nada ---- o que para mim era uma paz enorme comigo mesma e com o mundo, ele sentiu como um certo alheamento à nossa história. quando para mim era o exato oposto. era justamente porque estava tudo no lugar::: era tudo muito bonito e muito intenso. não era nada disso de "estar no auge" ou coisa parecida, mas era um estar inteira. achava que era assim que se deveria morrer, sem ter muito sobre o que se lamentar. ser uma morte qualquer entre tantas mortes. como chicoanysio, eu não sentia medo de morrer. sentia pena::: Poeminha estaria em boas mãos por mais que me doesse deixá-lo. e para Tatupai, eu deixaria tudo que havia em mim e de mim até aquele instante, que não era muito, mas era tudo que eu tinha::::: meus livros, meus cds e minha grande ânsia de vida. achava na época que essa era uma grande herança --- que ele poderia estendê-la até muito longe e ser feliz e fazer feliz nosso filho. e que eu seria uma memória muito bonita. 

deixar para o outro a intensidade das minhas alegrias era o meu maior legado--- não poderia haver herança mais significativa.  e esse empoderamento vinha do meu "miolo mole". eu era um "miolo mole" ----. agora,  já não sei. a herança é quase a mesma. mas o quase lateja.  agora eu sofro de excesso de realidade. dá para acreditar nisto? pois acreditem.
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e antecipando as perguntas, digo que houve muita lindeza neste depois. mas foram muitos os baques. perdi um pouco do amor pelas pessoas. e isso me feriu de morte muitas vezes. tem dias, eu mesma passo a mão na minha cabeça, no gesto que faço com Poeminha quando ele se machuca: "foi falta de sorte, filho, já vai passar". mas é que às vezes não passa. às vezes, tudo é acúmulo. e eu fico sem saber se as pessoas já eram assim ou se eu que não o era. talvez seja isto: eu tinha o olho mais bonito --- mas este olho quem havia me dado eram os amigos. e agora, eu me perdi deles. muita boniteza que eu pensava existir, não existe. e aí sinto espantos. e me pergunto por que perdi a mão. por que deixei de ver vaga-lumes no escuro.  

a conclusão que eu posso tirar deste marasmo de texto - e que pode consolar - é só uma::: morrer agora seria uma bobagem --- porque eu iria me lamentar de uma porção de coisas. e ia ter medo. e caralho, pois o que me fez não ter medo de morrer foi justamente não ter do que se lamentar. preciso de um tempo a mais para acertar o olho. porque morrer com medo deve ser muito triste.

[este texto é para meu amigoamado marcio. e que não reste dúvida::: ele é um daqueles amigos que por ter um olho todo bonito enche meu olho de bonitezas infindas vezes].

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