sábado, 31 de outubro de 2015

do que senti - As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg


é tão bonito o livro As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg. quanta firmeza e quanta delicadeza na escrita de uma mulher. a sua sagacidade e sua inteligência recobrem tudo. das questões mais comuns às mais complexas, sentimos que há ali um pensamento único, constituído ao revés de seu tempo e mesmo de sua condição.

é um livro de ensaio na sua acepção máxima. não é o sobre algo que faz a sua potência, mas o fato de nos sentirmos no seu interior, como se  estivéssemos em suas vivências: na guerra, na maternidade, na amizade, no luto. e isso numa linguagem límpida, que não titubeia. é a face da coragem que transparece. fiquei dias irmanada com esse misto de força e delicadeza.  porque há um impacto que apenas inicialmente reconhecemos como alentador, pois o alento é exigente, recorda-nos do imperativo das escolhas a todo momento. e não nos permite a passividade. ou a aceitação da fatalidade. não importa por quanto tempo não tenhamos vontade de tirar os sapatos rotos, mas o que sobra, no fim, é que não podemos ficar com eles para sempre (como se pode extrair de sapatos rotos tamanhos significados?):

Vou olhar o relógio e controlar o tempo, vigilante e atenta a cada coisa, e cuidarei que meus filhos tenha os pés sempre enxutos e aquecidos, porque sei que é assim que deve ser sempre que possível, pelo menos na infância. Aliás, para aprender mais tarde a caminhar com sapatos rotos talvez seja bom ter os pés enxutos e aquecidos quando se é criança. (p. 23) 

e assim, de um tema a outro, as paisagens são humanas. no vilarejo onde fica durante a guerra, em Londres, na cidade em comum com o grande amigo Cesare Pavese não são sobre as cidades que sabemos, mas sobre os rastros que ficaram nela - Natalia - dessas cidades. são paisagens humanas.  por essa humanidade, no que há aí de insondável, seria preciso retomar o hábito das longas citações para demonstrar o quanto solvi de suas palavras:
 
Não nos é dado ser feliz ou infeliz. Mas é preciso escolher não ser diabolicamente infeliz. O silêncio pode atingir uma forma de infelicidade fechada, monstruosa, diabólica. Murchar os dias da juventude, tornar o pão amargo. Pode levar, como já se disse, à morte (p. 96).

mas por ora, quero deixar apenas o registro da beleza que se fez em mim. nos dias ternos e corridos de São Paulo, li em voz alta, entre amigxs, o trecho que segue. como um apelo ao meu próprio desejo, se eu tiver a grandeza do alcance:

No que diz respeito à educação dos filhos, penso que se deva ensinar a eles não as pequenas virtudes, mas as grandes. Não a poupança, mas a generosidade e a indiferença ao dinheiro; não a prudência, mas a coragem e o desdém pelo perigo; não a astúcia, mas a franqueza e o amor à verdade; não a diplomacia, mas o amor ao próximo e a abnegação; não o desejo de sucesso, mas o desejo de ser e de saber. (p. 123)  

porque é preciso não desistir. no deserto de maior escassez, antes de tudo, permitir a ternura, tirar a areia dos olhos, acalmar a própria aridez, refazer percursos, abandonar o que nos obriga aos sapatos rotos. e estancar. para poder respirar.
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não é simples. mas é o que deve ser feito. porque há um filho que precisa de "pés enxutos e aquecidos".
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GINZBURG, Natalia. As pequenas virtudes. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

4.1





rô interrompeu a trivialidade que eu quis imprimir ao dia enviando flores de muito longe. Poeminha  deixa buracos no seu álbum de fotos gigante e faz delas o que quer. metódico, procura lugares que julga ainda melhores. inventa porta-retratos de todo tipo. e novos álbuns de fotos. traz uma folha que pintou em Sampa no dia das crianças e tem uma foto nossa bem no meio. e fico pensando que ele não para de me emocionar. 

nem que seja para contrariar a mim mesma me orgulho ao deixar que ele espalhe seus desejos pela casa. se eu estiver errada, e se tiver mesmo algum problema com excesso de ordem e limpeza, como vez ou outra sempre tem quem diga, posso ficar ainda mais contente comigo mesma::: a bagunça de Poeminha é o excesso que não me perturba quase nunca. não é todo dia nem qualquer uma - quanto mais neste difícil papel de mãe - que consegue que a própria loucura não atinja o filho. 

talvez esteja de bom tamanho para os 41 anos. mas quem pode saber? eu não sei. aos 41, eu devia querer saber dirigir, ter uma casa, um carro acima de 1000, mas o fato é que eu não quero nada disso. vez ou outra digo que quero. mas é mesmo só para afugentar a consciência. ou para acalmar a manaMácia que faz planos para que eu envelheça com alguma dignidade. mas se me perguntarem o que realmente gostaria de fazer nos próximos dez anos, eu diria que quero conhecer dez lugares diferentes::: um por ano. seria bonito. e seria tão mais instigante. porque aos 50 deve ficar mais difícil. então, dos 41 aos 50, eu queria ir a Machu Picchu, a Nova Iorque, aos Lençóis maranhenses,  a Fernando de Noronha, a Berlim, a São Petersburgo e onde mais der na telha.

talvez seja isso que esteja de bom tamanho:::: manter a postos os desejos. não deixar que eles atrofiem. manter o mesmo sorriso de sempre. a mesma loucura. não acreditar nunca na descrença. puxar o olho do tempo em que tudo era bom. querer olhar o porvir. querer que ele exista. não morrer ---- porque quem já quase morreu, sabe da possibilidade. 

(espero não perder o que consegui ao longo desse último ano, que poderia ser dito de muitas formas. mas que talvez deva chamar de cuidado de si (mim). que veio num momento muito difícil, no qual eu precisava acreditar de alguma forma. pode parecer que seja apenas exterior. mas não o é. conquistei muita coisa dentro de mim a partir desse cuidado).

talvez seja isso. ou não. sei que tem dias que o mundo balança. mais que antes. e ainda assim, me sobra tempo para os quereres.e quem não há de dizer que tudo vale a pena, se a alma...
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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

adriana. e a osesp. e nós que nos amamos.













é uma alegria imensa compartilhar um gosto musical com o próprio filho::: Marisa Monte e Adriana Calcanhotto são definitivamente amores incondicionais do Poeminha. e sou doida o suficiente para viajar muitos quilômetros somente para ter a alegria de vê-lo, ali, junto com um desses amores [se já fui a Bruxelas só para ver Bob Dylan, por que não iria agora para ver seu olho brilhar?]. e que trabalho lindo este de Adriana. e junto com a Osesp ficou mais bonito ainda.

não não. ela não é divertida no palco. ela é mesmo meio tímida. nunca achei os Dvds partimpim uma super festa... mas talvez seja por isso que Poeminha tanto se encanta. Poeminha tem uma timidez e uma delicadeza que vêm do Tatupai. sinto isso quando flagro os seus sorrisos tímidos. e talvez ele tenha herdado de mim essa expansividade -- que vem logo após a timidez dos sorrisos.
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chorei por tantas vezes --- de emoção. 
e no corredor da Sala São Paulo::: "é minha música! é minha música!" 
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sábado, 17 de outubro de 2015

os dias - bonitos - no lugar que mais amo

 um velhinho, como disse tatupai, esperando impacientemente a mala azul - e com sua mochila - inseparável durante toda a viagem.


com a moça linda que não gosta de fotos, mas que teve que se curvar aos meus deslumbres de registro


lindos.de costas. 


ná, que amo.


elxs. lindxs.

Poeminha, conhecedor de livros.

Frida, paixão de Poeminha.

nós. na única foto que justificou levar o trambolho do tripé.
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(na próxima postagem, mais fotos)

NÃO HÁ mês que eu ame São Paulo mais do que outubro. tudo acontece ao mesmo tempo em São Paulo, mas eu inventei que em outubro o tudo é ainda mais. porque outubro é o mês que eu nasci. e no mês que eu nasci quero apenas ser feliz. e eu sou sempre feliz em São Paulo.

então peguei o feriado pelo pé e fui ali em São Paulo. rápido, bonito, intenso, inteiro. mudei o que ali ia fazer em nome de um menino chamado Bernardo, vulgo Poeminha. pensava na Mostra que só acontece daqui a umas semanas. mas procurando o que lá fazer, encontrei a Adriana Partimpim; depois o Barbatuques, depois o Pequeno cidadão. e aí achei que era o tempo. já não lembro quem me disse que poderia ser "para depois". mas lembro que discordei. é agora que Poeminha ama Adriana Partimpim, Barbatuques e Pequeno cidadão. e se depois não tiver mais importância?

ele dormiu no fim do show do Barbatuques, cansado que estava de tanto perambular. ficou tão eufórico no Pequeno cidadão que mais rolou em cima de nós do que viu o  show e enquanto Adriana lia a história de Pedro e o lobo com a OSESP, ele se virava para mim com olhos ansiosos e perguntava: "ela não vai cantar?". e quando ela finalmente cantou, ele se aquietou até ter vontade de ir ao banheiro. e como a vida tem disto, quando voltamos, ela terminava de cantar a sua música preferida::: Fico assim sem você. e acho que nunca vou esquecer da imagem de Poeminha correndo nos corredores da Sala São Paulo gritando::: "é minha música, é minha música".

é provável que tenha sido eu a mais me emocionar nisto tudo que Poeminha vivenciou. talvez tenha sido porque juntou minha ânsia de mãe com o que eu já sinto ao ver um grande artista no palco, mas posso dizer que ver Adriana e a Osesp juntos foi uma das grandes emoções da minha vida. quando a orquestra começou a tocar, eu já sabia que ali viveria um momento mágico. e assim foi.

e assim também senti a presença das meninas Lilian e Aline e do menino Anderson: como um momento mágico que existe só para nos dizer que a vida é bonita bonita. sem pensar na diferença de idade, sem pensar que até um dia desses eu era a professora delxs, senti que estava entre amigxs. e por tantas vezes me vi mais menina do que elxs: nos deslumbres, na inconsequência das cervejas, na disposição de sempre estar pronta para fazer qualquer coisa. e senti o tempo todo que era por causa delxs, era por elxs que minha emoção ficou à flor da pele todo o tempo:::: porque me enchi de alegria por elxs terem escolhido estar ali com duas véias e um menino.  foi um presente. um presente muito bonito que elxs nos ofertaram, a mim e a Rosana. e ao Poeminha. trouxe para casa livros e cds indicados por elxs. trouxe para casa a imagem delxs na manhã linda na loja da cosacnaify. no show de ná ozetti. no show do caetano e gil. nas exposições de Frida Kahlo, Truffaut, Nuno Ramos. na livraria cultura. nos shows de Adriana Partimpim, Barbatuques, Pequeno cidadão. na feira da praça Benedito Calixto. na minha doidice de levá-los às 2h da manhã ao Estadão só para dizer que era lá que eu acabava as minhas noites no tempo em que vivi com uma bolsa de doutorado e sem nenhuma dívida, mas curtindo adoidada São Paulo e toda essa efervescência cultural da qual vez ou outra eu preciso me nutrir. e nos restaurantes que bebemos e comemos o que, para mim, São Paulo serve de melhor: comida podrona deliciosa que engorda e serve a nossos bolsos tão desprovidos de dinheiro, mas tão cheios de vontades. 
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poderia ter escrito esta postagem "ao meu filho", dirigindo-me a ele, mas por fim decidi não fazê-lo, porque essa viagem foi de todxs nós: eu, Rosana, Poeminha, Anderson, Lilian, Aline. fomos todxs nós que a desejamos, que a fizemos acontecer. fomos nós todxs que nos demos pingos de alegria. pingos de alegria que servem para dizer que a vida deve servir a isto:::: a alegrias desmedidas --- que sempre nos nutrirão nos momentos em que a alegria faltar.
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