sábado, 30 de janeiro de 2016

a festa da d. Ana














as festas de família sempre podem acabar mal. vide tantos filmes sobre o tema. mas duvido que D. Ana, a mãe da Ro, pensou sobre essa possibilidade em algum instante. a mãe da Ro é daquelas que não titubeia. a impressão que eu tive, desde a primeira vez que a vi, é que ela não duvida. não é daquelas que sofre. e se já sofreu algum dia, foi com elegância e com discernimento. há nela uma alegria extraordinária. uma força que vem da intensidade com que vive seus dias. daí que, quando fui convidada para a festa que ela preparava há um ano, também não tive dúvida: como não ir? e fomos. eu e Poeminha. e ainda Maneca, porque os lastros se espraiam. 

foi com tal espírito, tal determinação que D. Ana preparou a festa para a família que a festa teve início dois dias antes do dia oficial. seria impossível algo dar errado --- foi a certeza que, sem dúvida, ela teve desde o início. a família veio de várias partes do Brasil, para vivenciar, como eu, dias de farra gastronômica como eu nunca havia visto. um "padrão Ana" dificilmente superável. e delicioso, delicioso --- na acepção máxima da palavra. uma festa cheia de risadas, de encontros, de histórias, de emoções, como se nunca fosse ter fim.  

as fotos que tirei não ficaram à altura, pois eu me embebedei em todos os dias da grande festa como quem sabe que estava sob a proteção da dona da casa. uma dona que não hesitou em exclamar, quando me viu ainda deitada, no quarto que herdei do moço Maicon, que se desaloja quando lá vou: "o que você está fazendo aí, preguiçosa, que ainda não está tirando as fotos?". e depois, ao ver as fotos, abrir o sorriso e dizer: "esta sem-vergonha só tirou fotos minhas fazendo caretas". e eu, também sorrindo solto, sem cerimônia, respondo: "e eu tenho lá culpa se você só faz caretas quando estou tirando fotos!". e ela: "é mesmo, né, coitadinha, que culpa pode ter?". esse diálogo é só uma amostra do que está claro para mim desde a primeira vez que nos vimos: nós nos reconhecemos, como se nos conhecêssemos desde sempre. como se eu devesse ser sua filha. e ela, a minha mãe. mas é mentira. somos ambas mulheres fortes --- nos mataríamos dia a dia. conheço esta história. mas sem a alegria da d. Ana. e nos dias que estive lá, não houve nada mais poderoso do que a sua alegria. por isso, a verdade é esta linda festa que ela nos ofertou. foi uma lindeza iniciar as férias desse modo. merci, merci, Ana, por nos ofertar o melhor de nós!
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quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

narração sobre o porvir das férias



[antes de viajar, fiz a postagem abaixo. e acabei não publicando. publico agora, quando tudo já está no passado. foi tudo como está dito. a mesa farta, as cataratas, os fogos na ponte, as praias geladas. e ainda mais]

hora de arrumar as malas. vou bem ali de férias. volto daqui a um mês. férias são um hiato. é o momento mais desafinado que existe, no que tem de necessária a desafinação. o fazer nada é o impróprio. a vida toda nos ensina a fazer e fazer e fazer. somente às crianças é dado o direito do não fazer nada. às vezes, nem a elas. todas as noites, eu tento com que Poeminha junte os seus brinquedos espalhados pela casa. e este é o momento de maior fratura da nossa história. é quando estou irritada, quando estou esgotada e quando digo frases insensatas. férias são quando o impróprio vira a propriedade mais cobiçada.

então, a partir de amanhã, por um mês, vou fazer apenas o que ele mesmo faz. só brincar. só bancar o "fazer nada". vou escutar histórias. e vou tentar me controlar para não comer toda a comida do mundo, porque vou para um lugar onde a mesa é farta, onde o exagero é a marca. vou para casa sem ser, de fato, minha casa.  porque eu sou exagerada. carrego muitas fomes em mim. vai ser bonito, mesmo quando eu tentar virar as costas para a mesa farta. embora agora eu pense que deveria ter ido para casa. para agarrar minhas três irmãs, minha mãe e meu pai. e os sobrinhos. ficar com eles nas praias quentes do Ceará. mas acabei aceitando o convite para a festa. porque tem isso. tem isso, não é? 
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tem isso de às vezes o melhor modo de salvar a própria vida seja afastar-se dela. é quando a sua vida é uma instituição.  foi o que tentei ao longo deste ano. e não fiz perguntas. não quis fazê-las. resolvi cuidar da vida de outro jeito. e estou feliz com o que consegui. fiz muita bobagem. mas já me perdoei, comme toujours. só não fui para a África. e ganhei a grana para ir. queria muito ter ido. para viver as entranhas da educação na África. sonhei que diria o oposto do que foi dito antes ----. e não deu certo. não por mim. mas lá não deu certo. pena. 

e fui clarividente. infelizmente, fui. desejei por inúmeras vezes estar errada. teria rezado se fosse religiosa. "jesuscristinho, faça com que eu esteja errada". mas eu não estava. desde que cheguei aqui, não faço mais do que interpretar. fiz prognósticos que colocaram à prova minha decisão de vir. e dia após dia, eu tenho que me movimentar para aceitar, para cuidar de mim, para estar inteira. e para manter-me aqui. para fazer, independentemente de tudo. estou aqui. e vou fazer. e vou não fazer quando não acreditar. 

que ano! 

guardarei a beleza dos dias infindos. e farei o possível para crer que qualquer que seja minha interpretação sobre as coisas do mundo, ela pode ser falível. por ora, eu apenas repito: Derrida é deus. no que tem de "deus" aquele que foi determinante para o apuro do meu olhar. e Barthes. Barthes é deus. naquilo que ele me ensinou sobre a doçura (ele e meu pai). a doçura que aplaca meu olhar sobre as coisas do mundo. 
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Poeminha, vamos sair de férias. vamos. você vai encontrar sua grande musa. e vai ser paparicado. e eu vou deixar. depois, a gente vê o que faz com isso. vamos ali, filho. ver mesa farta, as cataratas, os fogos na ponte, as praias geladas. vamos, Poeminha. depois, a gente guarda. depois, a gente volta cheios de histórias para todo o sempre.  
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vou levar meus tênis de caminhada. e vou levar três livros. espero cavar dias brancos de leitura. vou levar Guerra e paz, de Tolstói, edição Cosac Naify. vou levar porque Aline me disse que Tolstói sobreviveu melhor do que Dostoiévski. e eu discordo dela. tudo que li dele foi soberbo:::: Anna Karienina, A morte de Ivan Ilitch, Padre Sérgio... mas nada, nada se equivale ao desespero de Dostoiévski; o desespero que eu penso dever existir em toda literatura. quero estar enganada, por isso levarei Guerra e Paz.

os dias. o ano. o fim do ano.e daqui a pouco, um novo ano.
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