sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

a escola e a (ausência de) diversidade


ultimamente, procuro ter bastante cuidado nos discursos de engajamento. me enjoam tamanhas intolerâncias que por vezes vejo nos discursos que deveriam ser contra a intolerância (ouvi com horror, nestes dias, um relato que dizia que uma negra não poderia se autodenominar negra porque tinha o cabelo liso! hã?). mas não posso deixar de sentir como ainda estamos longe de relações justas que ressignifiquem as diferenças. 

Poeminha está, aqui, em uma escola que é considerada uma das melhores. e sim. há nela boas intenções, mas falta-lhe o essencial: a pesquisa para acolher e incorporar as diferenças.  tenho levado pequenos choques de realidade. e pago pela minha incompetência de batalhar por estar num lugar com mais possibilidades de formas alternativas de educação. 

hoje foi a primeira reunião de pais da qual participei como mãe de Poeminha. e tudo me pareceu de um terror inominável. na apresentação geral do corpo técnico e pedagógico não havia um único negro. não vi um único biotipo entre os funcionários da escola que poderíamos chamar de "feio". não havia nenhum obeso. nenhum parecia ser homossexual. tampouco os pais eram negros; dois ou três. e eu estou na Bahia, gente! onde estão os negros desta terra? as bichas? os gordos? certamente, não na escola de meu filho, pela qual pago uma mensalidade que não poderia pagar - ao menos neste momento.

para piorar, visitei a sala onde Poeminha passa quatro horas e vinte minutos todos os dias. havia um grande painel da "família", recortado de revistas. todos os pais eram heteros, brancos; alguns famosos com seus sorrisos de plástico. não havia nenhuma família negra, homo, obesa. quase vomitei. na lista de materiais, havia a indicação de levar revistas ("Veja, Isto é, Quem"). e eu me recusei, claro. pedi ao revisteiro boa praça a "Carta capital, porque a Veja não serve nem para recortar".

depois de ter comprado o material do Poeminha, no qual gastei uma pequena "fortuna", fui falar com a professora e explicar-lhe por que havia pastas e estojos cor de rosa e lápis da Frozen. expliquei que o mundo de Poeminha era cor-de-rosa e que eu e Tatupai havíamos decidido que isso não seria um problema. suas frases nervosas demonstraram um enorme despreparo para ouvir e compreender o que ali eu dizia. por fim, disse-me: "não se preocupe. falarei de um modo que não constranja os coleguinhas".  "Como assim, cara pálida?". Quem é "constrangido", todos os dias, é o meu filho. e isso quando nem podemos ainda saber qual de fato será sua escolha de gênero. "E não, você não está entendendo. meu filho não gosta somente da Frozen. meu filho gosta do universo feminino". na maioria das vezes, ele acha os meninos uns chatos; ele já percebeu que eles não estão nem aí para as meninas, que as tratam mal; ele já percebeu que eles só querem saber de futebol e de brincadeiras idiotas; ele já percebeu que, na maioria das vezes, são os meninos que o constrange com apelidos como Bernarda e mulherzinha, e isso só porque ele leva brinquedos que, na teoria, seriam para meninas e porque adora as meninas e seus universos de fantasia. e adora dançar. e isso por que ele nem levou, ainda, sua capa lilás para a escola! 

é porque aqui em casa houve um pequeno susto. de repente, veio o medo::: ele suportará os olhos enviesados? que escola é esta que agora meu filho está, apenas para que eu aplaque a consciência de que ele não pode estar numa escola pública, uma vez que eu sou uma servidora pública que ganha uma média salarial muito acima da média salarial do país? o que essa escola pode dizer para meu filho? ou melhor, o que, nele, ela vai silenciar, omitir, retardar?
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não é facil não. duas negativas somente para reforçar que este é mesmo um mundo cão. e eu não sei ainda como me colocar nele como mãe. quarenta e um anos de idade. uma vida toda de busca de entendimento. uma vida toda de preparo. de revolta. de pancadaria. eu que já soube confrontar toda minha família em busca de entendimento para as relações de gênero, tenho que continuar e continuar, para abrir os olhos cegos destes lugares - como a escola - que deveriam estar com os olhos mais abertos. 

é como diz minha amiga Lili: "desgraça, viu?!". depois não entendem porque alguns retardados sociais jogam creolina no corpo de calouros, tiram fotos com um golfinho para ele morrer logo em seguida. ou matam travestis, indígenas, negros. depois não sabem por que uma grande empresa não está nem aí quando destrói toda uma cidade e um rio. ... esses lugares são o lugar do fomento de práticas como essas, é tudo que eu sei.

como salvarei meu filho desta barbárie tendo que expô-lo a essa barbárie diária que é a escola - despreparada, prepotente, omissa, analfabeta, alienada? 
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dai-me coragem, jesuscristinho. não quero nem devo retroceder o mínimo que seja.
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