sábado, 21 de maio de 2016

nos dias do golpe ---



(afásica desde a iminência do golpe, escrevi em momentos diversos neste "nenhum-lugar", onde escrevo porque gosto das palavras escritas. deixo registrad0s, aqui, quase sem filtro, estes dias de afasia, na tentativa de encontrar novamente minhas palavras).
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que longa noite, esta. o dia foi igualmente terrível. porque na minha vida comum institucional, vivencio as mesmas desfaçatezes --- e me distancio para não ficar tão feia quanto as pessoas que ora me miram. nunca mais, seremos os mesmos. deixamos para trás toda a esperança da felicidade comum --- como li em alguma lugar. sinto uma dor terrível. uma dor tão grande na qual realmente não há palavras. me arrastei pela casa durante todo o dia, pensando em como isso foi possível. e como não seria.

tenho que confessar que o que mais sinto nos últimos dias é uma revolta surda.  e não é apenas pela "elite", esta palavra tão démodé. nem pela classe média, esta que deveria ser onde me situo. pelos milionários, menos ainda. nem pela fiesp. nem pelos políticos desgraçados; porque de todos estes eu já sabia o que esperar. junto com essa revolta, tenho em mim uma outra---- dos que são iguais a mim. dos que, tendo se beneficiado de todas as políticas do governo, fazem de conta,  ainda agora, que não sabem que somente com este governo foram possíveis essas políticas. não penso que todos estas pessoas devam ter gratidão por este governo. não sou daquelas que usa a hashtag "gratidão". li por demais os textos iniciais de Derrida para saber o que há de comprometimento na palavra "gratidão". sei muito bem, portanto, o quanto há de encenação na ideia de gratidão. não é isto.  o que penso é na historicidade das ações. penso no que deveria nos obrigar à militância em um momento como este, mesmo com todos os reveses. penso no MST. sofrido, massacrado, muito longe de ter alcançado o que deveria ter alcançado --- e mesmo assim está aí queimando pneus pelo Brasil afora. e por que, e por quem, queimam pneus o MST?

dizer das razões parece o mais fácil. talvez não exista nenhum movimento reivindicador e político que investiu tanto na politização de seus membros do que o MST, o que explica os seus posicionamentos severos ao governo do PT nos últimos anos e a sua defesa nos últimos meses. é o espaço que todxs nós deveríamos ter ocupado::: protestar contra cada regressão do governo federal - e os governos estaduais e municipais que se revestem de partidos de "esquerda" --- e batalhar a cada vez que eles estão sob o risco das forças policialescas e regressivas dos conservadores. dos golpistas. sim, porque é um golpe

minha revolta é contra e os professores, e os milhares de estudantes, que são professores, que são estudantes, única e exclusivamente devido à expansão da educação superior realizada pelo governo federal, que instantes antes se arrogavam - arrogantes, idiotas, ignorantes, sem nenhum sentido histórico - contra Dilma, contra o PT, como se o que viesse depois seria muito mais vantajoso para as suas "classes", como se o sentido de "classe" fizesse sentido fora das lutas políticas que bem ou mal  foi o PT que realizou nos últimos treze anos. e o porvir?
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não terei complacência. verei  os direitos escorrerem, as conquistas jogadas ao longe, mas a cada direito perdido, a cada regressão, a cada miséria, a cada descida à pobreza, estarei qui a avisar que já sabia de tudo. não darei trégua.
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.passei minha vida sem ser militante. achei que poderia passar pela vida lutando pela literatura. que poderia passar pela vida ao lado de poucas pessoas. foi por isso que sempre tive poucos estudantes ao meu redor. e nunca quis lhes impor nada --- apenas meu amor meio esparso pela literatura. nas aulas, sempre fui pela via da ironia e da provocação --- (espantar todos os religiosos da minha terra proclamando a minha não-religião), mas agora já não sinto nada disso. só acredito hoje na militância. não o discurso indireto da literatura, mas o discurso direto --- com  a literatura. mas com este horror do direto. ir de estudante em estudante mostrar como se lê, como se interpreta, como se deseja. e como se revolta. para que possam entender as diferenças e as injustiças  do mundo.
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difícil escrever nestes dias turvos. dias alegres são soterrados por estas notícias imensas de tristes. parece até que nos tem sido permitido apenas clandestinas alegrias, como se não devêssemos ser felizes em dias de tamanhas tristezas coletivas.

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a presidenta foi afastada por até 180 dias. acompanhei tudo de muito perto. li li li. aprendi uma enormidade. e sofri outra enormidade. mantive firmes minhas convicções. e não tenho dúvida de que estamos diante de um golpe --- essa palavra que voltou à tona por causa de nosso passado recente. Dilma falou em "veio golpista". e é uma certeira interpretação sobre os acontecimentos de agora. e sobre a violência da política brasileira.

mas agora não tenho palavras. não vejo sentido em falar das lindezas dos dias e, mesmo, das lutas diárias institucionais -- -que são tantas e que, por vezes, tomam minhas parcas horas. nem tenho forças para fazer uma interpretação sobre o agora, embora pudesse fazê-lo. tenho sido uma militante de facebook, mas desejei muitas vezes ter saído às ruas para queimar pneu. então, hoje, dia 10, dia de paralisação nacional, tentamos mobilizar o nosso entorno::: eu e alguns professores. foi fiasquento. e me entristeci ainda mais. por outro lado, senti-me forte.


porque não tenho dúvidas de que este é um momento de que os brasileiros se envergonharão muito em breve. pois não há álibis. há apenas uma histórica divisão de classes e um ódio mastigado dia a dia pelas diferenças. uma classe média analfabeta historicamente e um classe baixa analfabeta politicamente. e os grandes interesses a rodar o moinho da história. que dor, que dor. que horror, que horror! e que alívio me sentir como uma intérprete deste tempo. uma intérprete que ocupa o lugar exato que deveria ocupar: o de uma professora do ensino superior em uma universidade periférica, cearense, petista "desde que nasci", classe média baixa que nunca aceitou as benesses idiotizantes desta classe apodrecida, cervejeira por convicção, mãe do Poeminha -- que agora me segreda o mais difícil. 
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por isso, e por tudo que estamos vendo aí, todo o retrocesso, todos os estrangulamentos::: por saber que Dilma foi afastada não pelos seus erros (que não foram poucos), mas pelos seus acertos. por isso. e sem trégua.    

(e amei esta foto: porque abraço bem abraço quase não existe no mundo). 







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