segunda-feira, 30 de maio de 2016

luz no breu



o mais difícil, sem dúvida, na vida é permanecer num espaço de clareza sobre as razões por que se pode estar vivo. algo que se traduz naquela pergunta boba, mas que nem sempre temos coragem de ir a fundo em suas possíveis respostas: "estamos aqui para quê?". e este "aqui" não apenas no sentido espacial, mas sobretudo temporal. eu, por exemplo, nunca vi sentido em pensar no porvir, a não ser que ele seja algo que esteja fincado no momento em que estou vivendo. 

tenho pensado muito sobre tudo isso há muitos meses. mas nas últimas semanas, tornou-se um imperativo. estou com muita ressaca de tudo que tem acontecido no Brasil. e por tempo demais, perdi a fé na possibilidade de uma vida íntegra. por muitos anos, estive muito alheia a tudo que me era "exterior". já disse aqui que voltei a me interessar por política, na forma mínima que os dias corridos permitem, porque fiquei com medo das imbecilidades que lia no facebook. eu tinha vontade de rebater, mas pensava com toda honestidade que nada sabia da "realidade". e acho que esse mergulho foi fundamental para uma abertura que eu julgava antes não ser necessária. o problema é que tem me trazido muito sofrimento. muita dor. porque um olhar "político" nos dá algo muito mais forte do que, muitas vezes, estamos preparados::: é como um rastro de pólvora que toma conta de toda a vida. e nada mais fica como antes. 

eu sempre tive embates públicos. no meu trabalho, no meu estar-casada, no modo de lidar com meu papel de mãe, com meus amigos, mas nada sistemático. preguiça. sempre tive preguiça do engajamento. e confesso::: a preguiça não foi embora. cansam-me os jogos, os conchavos, as águas-furtadas. por outro lado, gestos de indignação me parecem cada vez mais necessários. de algum modo, ser um ponto de incômodo para não deixar que abusos de toda ordem aconteçam sem que nada se faça, se diga. fazer, assim, um esforço de pensamento que vá além do comezinho. tudo isso cansa, porém. 

e por isso, é mais importante ainda cavar esse espaço íntegro --- estou convencida de que isso faz parte de outro tipo de responsabilidade que nos pertence::: estar bem a ponto de não me atrapalhar, de não atrapalhar a vida dos que convivem comigo. estou nesse momento agora. em um momento que eu pareço nunca ter saído desde aquela cena de libertação que forjei numa noite de festa já muito, muito, muito distante. porque identifico em mim dois traços que, assim mesmo, contraditórios, acabam por me constituir. tenho muito orgulho do que me tornei, uma certa arrogância mesmo, e, ao mesmo tempo, não me canso nunca de querer outras coisas, de duvidar das minhas tantas certezas, de querer forjar aquilo que em mim vejo apenas como promessa. como ânsia. 

e eu me debato nessas contradições, tentando forjar no presente isso que é ainda o porvir. há em mim reservas de alegria. e a cada vez que tudo parece ficar escuro, eu uso um bocado dessas reservas. dias desses, falei longamente para minha amiga rosana como é necessário perdoar a própria vida quando se já tem mais de quarenta anos. porque obviamente o que conseguimos aos quarenta estar longe de ser o que pensávamos que conseguiríamos quando tínhamos vinte anos. para mim, tem sido com esse perdão que tenho conseguido salvar os dias. e forjá-los, de certo modo, da melhor maneira possível --- nesse momento. 
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e escrevi assim, de um jeito explicativo, para que eu mesma me mire. e entenda, talvez, os passos errantes que tenho tentado. em larga medida, passos que carregam muita esperança.  
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