sexta-feira, 7 de julho de 2017

o que é mesmo que se quer? 9jan2017








o que é mesmo? o querer::: escrever um texto para o blog que não seja sobre a dor pelo irmão morto. ter um corpo que saiba brincar com o filho. esquecer a reposição hormonal por conta de uma menopausa precoce. o que se quer::: que o olho pare de tremer involuntariamente indicando a tensão a que o corpo se submete há seis meses, desde que o irmão morreu, sem que talvez nem ele mesmo tenha percebido que era a hora de morrer. o que quero::: um corpo menos doente, embora a cabeça saiba que há corpos ainda mais doentes. terminais -- à espera da morte que assaltou meu irmão sem que ele estivesse à espera. o quê::: ter um discurso para explicar ao filho o que é uma mãe que não sabe brincar, mas que sabe outros modos de amor. o  saber - esse azarão tamanho. pois o querer::: carregar comigo que o único hormônio que funciona - e surpreendentemente - no dizer da médica que foge do seu jargão - no meu corpo é o hormônio do desejo. e relevar - para poder lembrar apenas da primeira parte - a piada infame. sim, os desejos ---- como cavalos desordenados. e guardar apenas para mim que há manhãs que já nascem tarde porque estou ali na penumbra entregue a desejos insuspeitados. o que é mesmo::: o mesmo é sempre diferente do que foi. ora vagar na solidão branca; ora ferir a retina pela clareza. como um coração que é músculo, antes de ser narrativa. o que é mesmo que eu quero?::: voltar àquele dia da manhã de mar sem chegar àquela noite. era apenas uma manhã calma, talvez. caía um silêncio sobre mim. eu me pergunto, por vezes, se meu irmão - se pôde vir - esteve ali naquela minha manhã. e por isso, havia tanto silêncio em mim. ou era mesmo apenas o livro do pintassilgo que me silenciava. tenho certeza apenas das crianças que estavam ali. e da rosa. também o mar, o amor, o filho e os amigos. podia ter sido apenas a manhã. não haveria o depois. não haveria a noite, assim que pus os pés na casa de flores. meu irmão ainda estaria vivo. mesmo::: um corpo que ainda gera outro corpo. uma brincadeira que não seja de cuidar. meu irmão. parece quase nada. e mesmo assim, quase tudo, agora, me é da ordem do impossível.
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