terça-feira, 19 de setembro de 2017

agosto. e o hiato ---



agosto passou e foi um mês tão triste, com um lindo hiato no meio -- que só não foi realmente lindo porque passamos a vida cometendo os mesmos erros, vacilando diante das mesmas certezas. nem mesmo quando a literatura nos dá de bandeja toda a nossa vida, e mais aquela que poderíamos ter caso tivéssemos coragem, ainda assim passamos ao largo das grandes coragens.
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finalmente, eu conheci Inhotim. e foi um encontro maravilhoso - meu com Inhotim, sobre o qual eu tanto já havia lido, visto e desejado. não fiquei surpreendida quando, apesar de minha parca memória, me pareceu conhecer tudo -- ou quase tudo. que me perdoem alguns dos meus amigos que entendem de arte e torcem o nariz para Inhotim. entendo todas as ressalvas. e até estou de acordo com algumas. mas não vai ser nesta vida que serei contra os grandes museus - ou a ideia de museu. ou de um parque entranhado de galerias - como Inhotim. nesta vida, eu já pedi cinquenta euros a minha amiga Mari para ir a Madri apenas porque descobri, folheando um livro de Bosch, que lá estava o seu maior acervo. e foi no museu do Prado que passei um dos dias mais inteiros e complexos de minha vida -- um dentre aqueles dias em que me vi sobressaltada por tantos sentimentos e tive que aprender a lidar com eles para que não me atrapalhassem, não me fizessem tola e errante por mais tempo do que o necessário. é nesta vida que, durante um ano, peregrinei por centenas de galerias e museus de Paris, sempre me sentindo mais feliz do que enquanto andava por suas ruas e parques. também é nesta vida que, esnobando um pouco o Museu do Louvre, elegi o Museu D'Orsay como o "meu" museu em Paris. e depois, o Palais de Tokyo. também é nessa vida que qualquer exposiçãozinha me leva ao Masp e a outros tantos museus e galerias de São Paulo a cada vez que vou por lá. enfim, os exemplos são muitos. e serão sempre poucos para explicar o fascínio a distância que eu tinha/tenho por Inhotim.

foram lindas as pessoas que estavam ali comigo, nos momentos em que meus olhos encontraram aquilo que antes era apenas desejo. foi Poeminha quem melhor soube demonstrar a nossa alegria de meninas por estarmos ali. ele, que já vinha da Flip. rodeado de beleza. no segundo dia, após ter se entranhado de vermelho na galeria do Cildo Meirelles, vestiu-se ele mesmo inteirinho de vermelho. foi bonito. e viajar com o filho tem isto::: parece que depois fica apenas o filho, as histórias do filho, as expressões do filho, as surpresas do filho e as perguntas do filho que, ainda agora, são muitas e são bonitas.

"Mamãe, como se escreve Instituto Moreira Salles?", "Mamãe, você viu que as maçanetas eram douradas?", "Qual o museu que você mais gostou de ir?"; "Por que será que nos disseram que o Rio de Janeiro era perigoso, se estava tudo tão calminho?". E as afirmações: "o que eu mais gostei foi o Museu do Amanhã"; "A confeitaria que eu mais gostei foi a Cavé"; "Só gostei de ir à praia depois que Marcos entrou no mar comigo"; "Achei um tédio a Abralic, mas até que foi bom ficar tirando fotos lá"; "Mamãe, você gostou das fotografias que eu tirei?".

porque depois de Inhotim, fomos para o Rio de Janeiro. era a Abralic. e em algum momento de loucura, paguei R$600,00 para apresentar uma comunicação naquele que é considerado o maior congresso da minha área. não sei se foi apenas loucura ou vontade mesmo de partilha. fiquei assim: senti falta de um monte de coisa, senti-me deslocada em outro tanto e percebi, finalmente, como estes dois anos de UFSB têm me feito revirar sobre o que é a literatura e o que seria também importante debater a partir dela, com ela. com minha parca memória, vou lembrar de Silviano Santiago, do teatro de Matei Visniec, de Regina Dalcastagnè e, claro, do meu fastio ainda indefinido. e também do Marcos e lamentar por não ter criado a chance de um encontro mais demorado, além dos dois minutos em que nos cumprimentamos.

talvez eu também esqueça todos os passeios e programas que fizemos no Rio. mas não devo esquecer da alegria de segurar a mão do menino, apresentando-o a esta cidade e, consequentemente, ao meu amor pelas viagens. teve jardim botânico, teve bondinho, teve o grupo Circo Macaco Prego no morro da urca, teve Bituca, Saltimbancos, zoológico, aquário e só não teve Cristo Redentor porque estava nublado. e teve muito feijão com arroz porque o menino está numa fase feijão-com-arroz. e se ele se intrometesse neste texto, diria que teve muuuuito programa de adulto que lhe causou tédio.

foram vários os museus --- e o Museu do Amanhã ganhou disparado na sua preferência. Teve Nós, do Galpão, e aí ele não sentiu tédio. teve O filme da minha vida, do Selton Mello, e ele dormiu no finalzinho e depois fez muxoxo: "o que aconteceu no final, mamãe?". Em As criadas, do grupo Tapa, ele quase morreu de tédio --- e eu também. eu fugi para ver A guerra não tem rosto de mulher, do Marcello Bosschar --- e deu aquela tristeza grande. E Riachão trouxe toda a alegria bem antes. 

pois. teve Inhotim, um dia em BH, Rio de Janeiro e meu jeito de viajar. ou o quase jeito. não programei nada. me foi impossível. mas o possível foi quase tudo tão bonito --- como disse.
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em agosto, meu irmão faz aniversário. eu nunca lembrava o dia, mas o mês sempre. tenho qualquer coisa de caçula. e ele, meu irmão antes de mim, tem qualquer coisa de meu irmão mais velho. nós, da geração de 70. agora, a pergunta que não me sai é o que será de mim mais velha do que meu irmão. fico mais velha a cada dia desde aquela noite de janeiro, mas foi agosto que me trouxe isso em definitivo. em agosto, dia 22 ficou turvo. me cortou ao meio mais e mais e mais uma vez. perder um irmão é descobrir, finalmente, o que é saudade. é descobrir o que é um pensamento que assalta e deforma meu sorriso. é a lágrima e é a prece. mano nunca foi ao Rio de Janeiro. mano sempre se aventurou para o dentro da mata. e eu restei aqui, no interior, com o coração nas cidades grandes. dada a viagens. e dada a levar Poeminha pela mão. e para quê? para que ele saiba que o mundo é grande. e meu amor maior ainda.